Originalmente publicado na Revista Direito Tributário Atual nº 41 (https://ibdt.org.br/RDTA/wp-content/uploads/2019/11/Andrei-Cassiano.pdf)
NATUREZA JURÍDICA E INCONSTITUCIONALIDADE DA INSTITUIÇÃO DAS COBRANÇAS ESTABELECIDAS NO ART. 57 DA LEI N. 9.615/1998 (“LEI PELÉ”): UMA ANÁLISE A PARTIR DO DESTINO DA ARRECADAÇÃO
ANDREI CASSIANO
MESTRANDO EM DIREITO TRIBUTÁRIO PELO INSTITUTO BRASILEIRO DE ESTUDOS TRIBUTÁRIOS – IBET. ESPECIALISTA EM DIREITO TRIBUTÁRIO PELO INSTITUTO BRASILEIRO DE ESTUDOS TRIBUTÁRIOS – IBET. ADVOGADO EM PORTO ALEGRE/RS. E-MAIL: ANDREI@CASSIANOADV.COM.BR
Resumo. O presente estudo tem como objetivo analisar a natureza jurídica das cobranças estabelecidas no art. 57 da Lei n. 9.615/1998 (“Lei Pelé”), de modo a superar o entendimento jurisprudencial dominante que as classifica como contribuições de intervenção no domínio econômico. Demonstra-se, através da análise do destino de sua arrecadação, que essas cobranças se classificam como contribuições para seguridade social residuais, que foram inconstitucionalmente instituídas, pois não atendidos os requisitos estabelecidos no art. 195, § 4º, da Constituição Federal, especificamente, a necessidade de previsão em lei complementar e de serem não cumulativas. A fim de comprovar a conclusão, primeiramente define-se que tais cobranças são tributos (art. 3º do CTN). Após, analisa-se de que espécie tributária está se tratando, classificando-as pelo destino de sua arrecadação como contribuições para a seguridade social residuais. Ao final, demonstra-se o equívoco da jurisprudência em considerar tais contribuições como contribuições de intervenção no domínio econômico. Palavras-chave: contribuição, intervenção, domínio, econômico, seguridade, residual Abstract. This study aims to analyze the legal nature of the charges established in art. 57 of Law 9.615/1998 (“Pelé Law”), in order to overcome the prevailing jurisprudential understanding that classifies them as contributions of intervention in the economic domain. By analyzing the destination of collection, it is demonstrated that these charges are classified as contributions to residual social security, and were unconstitutionally instituted, due to the requirements established in art. 195, § 4, of the Federal Constitution, specifically, the need for provision in complementary law and the need to be non-cumulative. In order to prove the conclusion, such charges are firstly defined as taxes (art. 3rd of CTN). Subsequently, an analysis of tax types is made, classifying these by the destination of their collection as residual social security contributions. Finally, the error of jurisprudence in considering such contributions as intervention contributions in the economic domain is demonstrated. Keywords: contribution, intervention, domain, economic, security, residual
INTRODUÇÃO
O art. 57 da Lei n. 9.615/1998, na redação atribuída pela Lei n. 12.395/2001, instituiu a cobrança de valores a serem recolhidos pelas entidades de prática desportiva à Federação das Associações de Atletas Profissionais (FAAP) e à Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol (FENAPAF), com o objetivo de custear a assistência social e educacional aos atletas profissionais, aos ex-atletas e aos atletas em formação, prestadas por tais federações.
O presente artigo tem por objetivo proporcionar a revisão do panorama jurisprudencial atual, consolidado, inclusive, no Supremo Tribunal Federal, que afirma que tais cobranças têm natureza jurídica de contribuição de intervenção no domínio econômico, demonstrando que referidas contribuições possuem, na realidade, natureza jurídica de contribuições para a seguridade social residuais. Além disso, pretende-se evidenciar que tais cobranças foram invalidamente instituídas, uma vez que não atenderam a, pelo menos, dois dos requisitos constitucionalmente estabelecidos à cobrança dessa espécie de contribuição, a saber, instituição por meio de lei complementar e não cumulatividade.
Para fundamentar as conclusões, primeiramente será definido o conceito de tributo, demonstrando que essas cobranças se adequam perfeitamente em tal conceito. Passo seguinte, analisar-se-á quais são as espécies tributárias existentes no Sistema Tributário Nacional, enquadrando nosso objeto de estudo na modalidade de contribuição. Firmadas essas premissas, teremos condições, pela análise do destino da arrecadação, de classificá-las como contribuições para a seguridade social residuais, comprovando as razões de nosso desacordo com a jurisprudência dominante.
DA DEFINIÇÃO DO CONCEITO DE TRIBUTO
O legislador, por meio do art. 3º do Código Tributário Nacional (CTN), cuidou de fornecer uma definição para tributo, assim referindo:
“Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”
Em que pese por vezes se controverta sobre a pertinência da lei definir conceito 1, providência que, em tese, estaria exclusivamente ao encargo da Ciência do Direito, enquanto linguagem descritiva 2, entende-se que não há qualquer impedimento à estipulação de definições no direito positivo, o que não é incomum 3 e, no mais das vezes, auxilia e serve de diretriz para o intérprete na delimitação da aplicação das normas jurídicas 4.
Da mesma forma, deve ser destacado que a Constituição Federal, ao fixar as competências tributárias, estabelecer os princípios gerais do Sistema Tributário Nacional (arts. 145 a 149-A) e as limitações ao poder de tributar (arts. 150 a 152), permite que o intérprete extraia uma definição constitucional do conceito de tributo.
O que quer dizer, a Constituição Federal, nas suas entrelinhas, implicitamente, define o que é tributo 5, ou, ao menos, estabelece as diretrizes que a lei deverá seguir na fixação desse conceito 6, sendo que a definição legal constante do CTN, que é preexistente em relação a Constituição Federal, foi incorporada pela nova ordem constitucional, pois com ela não é incompatível 7.
Assim, para fins do presente estudo, será considerado tributo – e, por óbvio se submeterá ao regime tributário – toda a cobrança que apresente as seguintes características:
a) prestação pecuniária – ao falar em “prestação”, o legislador evidencia a existência de uma relação jurídica entre um sujeito ativo e um sujeito passivo, a qual tem por objeto precisamente essa “prestação”, o tributo (aqui entendido como quantia em dinheiro). É “pecuniária” no sentido de ser aferível em dinheiro;
b) compulsória – o dever de pagar o tributo independe da vontade do sujeito passivo. Uma vez realizado o fato jurídico tributário instaura-se o liame entre os sujeitos da obrigação, não podendo o sujeito passivo escolher se vai ou não pagar o tributo;
c) expressa em moeda corrente nacional (dinheiro) ou em cujo valor nela se possa exprimir – não é possível a instituição de tributos in natura e in labore, devendo sempre ser expresso em dinheiro, em que pese respeitáveis opiniões em contrário 8. Até o ano de 2001, o pagamento de tributo podia ser efetuado apenas pela entrega de dinheiro, excepcionados casos especiais e por disposição legal. Com a edição da Lei Complementar n. 104/2001, que incluiu o inciso XI ao art. 156 do CTN 9, possibilitou-se a extinção do crédito tributário pela dação em pagamento de bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei. Em âmbito federal, a Lei n. 13.259/2016 regulamentou o CTN neste ponto 10;
d) não constituir sanção de ato ilícito – a lei não pode incluir no antecedente da regra-matriz de incidência tributária o elemento da ilicitude, pois, assim o fazendo, estará estabelecendo tão somente uma penalidade 11. No entanto, o fato gerador do tributo pode ocorrer em circunstâncias ilícitas, estranhas à hipótese de incidência, sendo irrelevantes do ponto de vista tributário. Pode-se exemplificar pelo indivíduo que aufere renda por meio do jogo do bicho, sabido por todos de natureza ilícita. Neste caso, incide o imposto de renda, posto que o tributado não é o ato ilícito, mas sim a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica dos rendimentos;
e) instituído por meio de lei – interpretação que decorre do princípio da legalidade, insculpido no art. 150, inciso I, da Constituição Federal. Todos os elementos necessários à exigência do tributo (critérios material, espacial e temporal do antecedente da regra-matriz de incidência tributária e critérios pessoal e quantitativo do consequente da regra-matriz de incidência tributária), demandam definição legal, em sentido estrito;
f) cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada – ao deparar-se com o fato jurídico tributário, não pode a autoridade tecer juízo acerca da oportunidade e conveniência da cobrança, sob pena de responsabilidade dos agentes fiscais.
Logo, toda e qualquer cobrança que se enquadrar na definição estabelecida no art. 3º do CTN será considerada tributo e deverá respeitar o regime tributário estabelecido constitucional e legalmente.
DAS COBRANÇAS ESTABELECIDAS NO ART. 57 DA LEI N. 9.615/1998 E DA SUA NATUREZA DE TRIBUTO
Fixado nosso conceito de tributo, passa-se a analisar especificamente se são tributos ou não as cobranças estabelecidas no art. 57 da Lei n. 9.615/1998, que tem a seguinte redação, atribuída pela Lei n. 12.395/2001:
“Art. 57. Constituirão recursos para a assistência social e educacional aos atletas profissionais, aos ex-atletas e aos atletas em formação os recolhidos:
I – diretamente para a federação das associações de atletas profissionais – FAAP, equivalentes a:
a) 0,5% (cinco décimos por cento) do valor correspondente à parcela ou parcelas que compõem o salário mensal, nos termos do contrato do atleta profissional pertencente ao Sistema Brasileiro do Desporto, a serem pagos mensalmente pela entidade de prática desportiva contratante; e
b) 0,8% (oito décimos por cento) do valor correspondente às transferências nacionais e internacionais, a serem pagos pela entidade de prática desportiva cedente; e
II – diretamente para a Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol – FENAPAF, equivalentes a 0,2% (dois décimos por cento) do valor correspondente às transferências nacionais e internacionais de atletas da modalidade de futebol, a serem pagos no ato do recebimento pela entidade de prática desportiva cedente;”
Conforme leciona Íris Vânia Santos Rosa, “a natureza jurídica de um instituto consiste em determinar sua essência, para então adaptá-la (classificá-la) dentro de uma grande categoria jurídica” 12.
Assim, para verificar se as imposições estabelecidas no art. 57 foram validamente instituídas, é indispensável a análise de sua essência para verificar se estas se adaptam ou não dentro da grande categoria jurídica de tributo.
Conforme assentado no item 2, será considerado tributo toda e qualquer cobrança que se enquadrar na definição estabelecida no art. 3º do CTN, hipótese em que deverá respeitar o regime tributário estabelecido constitucional e legalmente.
E as cobranças em questão amoldam-se perfeitamente ao art. 3º do CTN, na medida em que:
– são prestações pecuniárias – são aferíveis em dinheiro e pressupõem uma relação jurídica entre um sujeito ativo e um sujeito passivo;
– são compulsórias – o dever de pagá-las independe da vontade do sujeito passivo;
– são expressas em moeda corrente nacional (dinheiro) – são expressas em dinheiro;
– não constituem sanção de ato ilícito – não são devidas em razão da prática de um ato ilícito, mas sim de atividades lícitas (pagamento de salários e transferências nacionais e internacionais de atletas);
– foram instituídas por meio de lei – todos os elementos necessários à exigência do tributo (critérios material, espacial e temporal do antecedente da regra-matriz de incidência tributária e critérios pessoal e quantitativo do consequente da regra-matriz de incidência tributária) estão previstos na Lei n. 9.615/1998;
– são cobradas mediante atividade administrativa plenamente vinculada – verificada a ocorrência do fato jurídico tributário, as instituições destinatárias (FAAP e FENAPAF) deverão realizar o lançamento e promover a cobrança.
Assentada a natureza de tributo, passo seguinte é averiguar de que espécie tributária estamos tratando, para que, mais adiante, possamos aferir se todos os requisitos constitucionais à sua instituição foram atendidos.
AS ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS
Assim como é de extrema relevância apontar se determinada cobrança é tributo ou não, pois define se a ela se aplica ou não o regime tributário, não menos relevante é definir de qual espécie tributária se trata, já que, a depender da espécie, distinto será o regime jurídico tributário aplicável 13.
A classificação dos tributos em espécie é um dos temas que há mais tempo vem gerando debate e controvérsia no âmbito do Direito Tributário. Tanto é verdade que se encontram na doutrina e na jurisprudência posições que defendem a existência de duas (impostos e taxas 14), três (impostos, taxas e contribuições de melhoria 15), quatro (impostos, taxas, contribuições e empréstimos compulsórios 16) ou cinco (impostos, taxas, contribuições de melhoria, contribuições e empréstimos compulsórios 17) espécies tributárias, a depender dos critérios de classificação adotados por cada um dos autores.
E o gênio criativo do legislador tem a tendência de aquecer o debate, criando, de tempos em tempos, novas figuras que não se alinham com as espécies até então conhecidas, como foram os casos da contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública (art. 149-A da Constituição Federal) e das contribuições com destino da arrecadação não vinculado a órgão, fundo ou despesa (caso das DRU – Desvinculações das Receitas da União –, art. 76 do ADCT), o que obriga a doutrina a manejar seus conceitos e classificações para enquadrá-las em determinada espécie.
Como o objetivo do presente trabalho não é analisar a natureza dessas novas espécies, mas sim das cobranças estabelecidas no art. 57 da Lei n. 9.615/1998, é forçoso reconhecer que, hoje, mais de 30 anos após a promulgação da Constituição Federal, são cinco as espécies tributárias, entendimento que se extrai diretamente das normas de competência estabelecidas na Magna Carta, que, para determinados casos, prevê especificamente a destinação do produto da arrecadação (arts. 149 e 195 da Constituição Federal) e a restituição do valor pago (art. 148 da Constituição Federal).
E tal classificação se extrai da conjugação de três critérios constitucionais distintos, a saber:
1 – vinculação ou não do critério material da hipótese da regra-matriz de incidência tributária a uma atividade estatal 18;
2 – previsão específica de destinação do produto da arrecadação;
3 – previsão específica de restituição do valor carreado aos cofres públicos a título de tributo.
Com base nesses critérios, as espécies tributárias são:
a) impostos: critério material da hipótese da regra-matriz de incidência tributária não vinculado a uma atividade estatal, sem previsão de destinação da arrecadação e/ou restituição;
b) taxas: critério material da hipótese da regra-matriz de incidência tributária vinculado a uma atividade estatal, com previsão de destinação da arrecadação, mas sem previsão de restituição;
c) contribuições de melhoria: critério material da hipótese da regra-matriz de incidência tributária vinculado a uma atividade estatal (realização de obra pública que tenha por consequência valorização imobiliária), sem previsão de destinação da arrecadação e/ou restituição;
d) contribuições: critério material da hipótese da regra-matriz de incidência tributária não vinculado a uma atividade estatal, com previsão de destinação da arrecadação, mas sem previsão de restituição;
e) empréstimos compulsórios: critério material da hipótese da regra-matriz de incidência tributária não vinculado a uma atividade estatal, com previsão de destinação da arrecadação e restituição.
Seguros de que são cinco as espécies tributárias, podemos prosseguir e definir de qual espécie tributária estamos tratando.
DAS COBRANÇAS ESTABELECIDAS NO ART. 57 DA LEI N. 9.615/1998 E DA SUA NATUREZA DE CONTRIBUIÇÃO
Relembramos que a determinação da espécie tributária se dá através da classificação internormativa, que, além da análise da regra-matriz de incidência tributária, em especial do critério material de sua de hipótese (teoria dos tributos vinculados e não vinculados a uma atividade estatal), também toma como critérios classificatórios as normas que preveem o destino da arrecadação e a possibilidade de restituição do tributo.
O critério material dos tributos instituídos com base no art. 57 da Lei Pelé não prevê qualquer espécie de contraprestação estatal em favor do sujeito passivo em razão de seu pagamento, tratando apenas de aspectos inerentes a negócios jurídicos realizados pelo próprio contribuinte. As materialidades desses tributos podem assim ser sintetizadas:
i) pagar salário a atleta profissional pertencente ao Sistema Brasileiro do Desporto (art. 57, I, a, da Lei n. 9.615/1998);
ii) realizar transferências nacionais e internacionais de atletas (art. 57, I, b, da Lei n. 9.615/1998);
iii) realizar transferências nacionais e internacionais de atletas da modalidade de futebol (art. 57, II, da Lei n. 9.615/1998).
Tratando-se de tributos não vinculados a uma atividade estatal, já excluímos, de pronto, a possibilidade de se tratar de taxas ou contribuições de melhoria. Resta verificar se há norma prevendo a destinação específica do produto da arrecadação e/ou a possibilidade de restituição.
E o caput do art. 57 é de meridiana clareza ao prever a destinação específica da arrecadação desses tributos para a assistência social e educacional aos atletas profissionais, aos ex-atletas e aos atletas em formação, não havendo previsão de restituição dos valores eventualmente pagos.
Nesse sentido, tratando-se de tributos cujo critério material da hipótese da regra-matriz de incidência tributária é não vinculado a uma atividade estatal, havendo previsão de destinação específica da arrecadação, mas sem previsão de restituição, é inevitável concluir que estamos lidando com contribuições.
Mais, são contribuições parafiscais, pois a arrecadação se destina a pessoas jurídicas diversas (FAAP e FENAPAF) daquela que criou o tributo (União) 19.
Como se vê, até aqui já é possível afirmar que nossos objetos de estudo são tributos, que se classificam como contribuições, restando determinar de que espécie de contribuição se cuidam. E é aqui que surge nossa divergência com a jurisprudência majoritária que trata do tema.
AS ESPÉCIES DE CONTRIBUIÇÕES
Relativamente às contribuições, a Constituição Federal, por meio de seus arts. 149, caput, e 149-A, divide-as nas seguintes espécies: (i) sociais, (ii) de intervenção no domínio econômico, (iii) de interesse das categorias profissionais ou econômicas e (iv) de iluminação pública:
“Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.
Art. 149-A. Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III.
Parágrafo único. É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o caput, na fatura de consumo de energia elétrica.”
Como se percebe da leitura de tais dispositivos, a divisão das contribuições em espécie se dá de acordo com o destino da arrecadação, critério constitucional que distingue estas contribuições das demais espécies tributárias.
6.1. Contribuições sociais
As contribuições sociais são aquelas que têm por finalidade custear a atividade do Estado no campo social, ou seja, o produto da arrecadação dessas contribuições deve ser integralmente destinado a esta finalidade.
E a Constituição Federal dedica um Título inteiro, precisamente o Título VIII (arts. 193 a 232), a detalhar a ordem social, que é composta pelas seguintes áreas: (i) seguridade social, subdividida em saúde, previdência social e assistência social, (ii) educação, cultura e desporto, (iii) ciência, tecnologia e inovação, (iv) comunicação social, (v) meio ambiente, (vi) família, criança, adolescente, jovem e idoso e (vii) índios.
Logo, por expressa previsão constitucional a União poderá instituir contribuição social para fazer frente à sua atividade em cada uma dessas áreas.
A Magna Carta ainda divide as contribuições sociais nas seguintes subespécies, conforme classificação de Fernando F. Castellani, que adotamos no presente trabalho: (i) contribuições sociais para a seguridade social, que se subdividem em (i.a) contribuições sociais para a seguridade social ordinárias e (i.b) contribuições sociais para a seguridade social residuais, e (ii) contribuições sociais gerais, classificação esta que também leva em conta o destino da arrecadação 20.
6.1.1. Contribuições sociais para a seguridade social ordinárias
Como o próprio nome refere, tais contribuições têm por finalidade custear a seguridade social, que, na forma do art. 194 da Constituição Federal, compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social, da seguinte forma:
“Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.”
Tais contribuições são chamadas de ordinárias porque o art. 195 da Constituição Federal definiu expressamente as materialidades passíveis de tributação por tal contribuição, a saber: (i) pagar salários ou rendimentos, (ii) auferir receita ou faturamento, (iii) auferir lucro, (iv) perceber rendimento, (v) auferir receita de concurso de prognósticos e (vi) importar bens ou serviços do exterior:
“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (Vide Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
b) a receita ou o faturamento; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
c) o lucro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
III – sobre a receita de concursos de prognósticos.
IV – do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar.”
Estas contribuições devem ser instituídas por lei ordinária federal, ou distrital, ou estadual, ou municipal, no caso de possuírem o Distrito Federal, Estados e Municípios sistemas de previdência próprios, visto que os arts. 149 e 195, I, II e III, da Constituição Federal não fazem menção à lei complementar institutiva ou modificativa. Aliás, este é o entendimento do Supremo Tribunal Federal 21.
6.1.2. Contribuições sociais para a seguridade social residuais
Além das contribuições previstas nos incisos I, II e III do art. 195 da Suprema Carta, a União está autorizada a instituir outras contribuições para o custeio da seguridade social, desde que respeitados os limites impostos por seu § 4º, que assim está redigido:
“§ 4º A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I.”
Portanto, as novas contribuições ou, em melhor terminologia, as contribuições sociais para a seguridade social residuais, para que instituídas devem seguir as mesmas regras postas para que novos impostos sejam instituídos, de acordo com o art. 154, I, da Constituição Federal, quais sejam: (i) criação por lei complementar, (ii) não possuírem fato gerador e base de cálculo idênticos aos dos impostos discriminados na Constituição e (iii) não cumulatividade:
“Art. 154. A União poderá instituir:
I – mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição;”
Portanto, desde que respeitados tais limites, tem a União competência para exigir contribuição destinada à seguridade social sobre outras materialidades além daquelas estabelecidas no art. 195.
6.1.3. Contribuições sociais gerais
As contribuições sociais gerais são aquelas destinadas a custear a atuação do Estado no campo social que não se identifique com a seguridade social. Portanto, tem a União competência para instituir contribuições sociais gerais para custear (i) educação, cultura e desporto, (ii) ciência, tecnologia e inovação, (iii) comunicação social, (iv) meio ambiente, (v) família, criança, adolescente, jovem e idoso e (vi) índios.
6.2. Contribuições de intervenção no domínio econômico
Conforme Thiago Taborda Simões, as contribuições de intervenção no domínio econômico são aquelas destinadas a promover a participação indireta do Estado em áreas da atividade privada 22.
Como afirma Misabel Derzi, os conceitos de intervenção econômica devem se restringir aos princípios gerais básicos e fundamentais consagrados no capítulo da Ordem Econômica e Financeira da Constituição Federal. Sua configuração deve ser especial e não difusa, sendo que os princípios consagrados nos arts. 170 a 181 da Constituição Federal é que hão de traçar o perfil da intervenção 23.
As finalidades a serem perseguidas, traço distintivo das contribuições interventivas, são, portanto, assegurar a livre concorrência, reprimir o abuso do poder econômico, reprimir o aumento arbitrário dos lucros, defender o consumidor, preservar o meio ambiente, assegurar ou proteger a empresa brasileira, especialmente a de pequeno porte etc. (arts. 170 a 181 da Constituição Federal) 24.
Todavia, a intervenção não deve servir como instrumento de restrição à livre concorrência ou mesmo para praticar um ato de poder abusivo, mas sim para incentivar a iniciativa privada 25.
A destinação da arrecadação das contribuições de intervenção no domínio econômico, portanto, se reverte em favor ao incentivo de determinada atividade, sendo que somente a classe a ela relacionada que deverá ser contribuinte de tal tributo 26.
6.3. Contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas
As contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas se destinam a custear entidades que podem ser de direito público ou privado, que têm como sua principal finalidade a fiscalização e a regulação do exercício de determinadas atividades profissionais, assim como representar coletiva ou individualmente categorias profissionais, defendendo seus interesses 27. Podemos citar como exemplo as contribuições que os advogados pagam a OAB, que os médicos pagam ao CRM, que os arquitetos pagam ao CREA.
6.4. Contribuições de iluminação pública
Em 20 de dezembro de 2002, foi promulgada a Emenda Constitucional n. 39, que incluiu o art. 149-A na Constituição Federal, instituindo uma contribuição visando ao custeio do serviço local de iluminação pública. Esta espécie de contribuição é de competência dos Municípios e do Distrito Federal e diferencia-se daquelas de competência da União, quais sejam, sociais, de interesse das categorias profissionais e econômicas e de intervenção no domínio econômico 28.
DAS COBRANÇAS ESTABELECIDAS NO ART. 57 DA LEI N. 9.615/1998 E DA SUA NATUREZA DE CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS PARA A SEGURIDADE SOCIAL RESIDUAIS. NECESSIDADE DE SUPERAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE
O Supremo Tribunal Federal, nas oportunidades em que teve de se manifestar sobre a questão, afirmou que as cobranças exigidas com base no art. 57 da Lei Pelé são tributos, classificados como contribuições de intervenção no domínio econômico. Assim restou decidido no ARE n. 710.133 AgR, relatado pela Ministra Rosa Weber, que está assim ementado:
“Direito tributário. Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico. Art. 57, I, da Lei 9.615/98. Instituição mediante lei ordinária. Possibilidade. Desnecessidade de vinculação direta entre o contribuinte e a destinação das receitas tributárias arrecadadas. Precedentes. Alegação de bis in idem. Afastamento na origem. Debate de âmbito infraconstitucional. Acórdão recorrido publicado em 25.11.2011. A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal consolidou-se no sentido de ser dispensável a edição de lei complementar para a instituição de contribuição de intervenção no domínio econômico, bem como pela desnecessidade de vinculação direta entre os benefícios dela decorrentes e o contribuinte. O Tribunal a quo afastou a alegação da ocorrência de bis in idem com espeque na legislação infraconstitucional aplicável (art. 57, I, da Lei 9.615/98). Ademais, a aplicação de tal legislação ao caso concreto, consideradas as circunstâncias jurídico-normativas da decisão recorrida, não enseja a apontada violação dos arts. 149 e 195, I, da Constituição da República. As razões do agravo regimental não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada, a inviabilizar o trânsito do recurso extraordinário. Agravo regimental conhecido e não provido.” 29
No mesmo sentido é a decisão monocrática do Ministro Dias Toffoli, proferida ao ensejo do julgamento do ARE n. 679.791 30. Tal entendimento também tem sido adotado pelos Tribunais locais, do que são exemplo o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul 31, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo 32 e o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais 33.
Todavia, da leitura dos fundamentos das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal é possível depreender que a Corte Constitucional se limitou a confirmar o quanto restou decidido pelos Tribunais de origem, aplicando os entendimentos já consolidados no sentido de que a instituição de contribuição de intervenção no domínio econômico não depende de lei complementar e que a referibilidade entre o destino da arrecadação e o contribuinte não é fundamento de validade da contribuição de intervenção no domínio econômico.
Em nenhum dos precedentes foi apreciada especificamente a razão pela qual as imposições estabelecidas na Lei Pelé classificar-se-iam como contribuições de intervenção no domínio econômico, razão pela qual entendemos que ainda há espaço para revisar este entendimento.
Em verdade, no ARE n. 710.133 AgR, a Ministra Relatora transcreve parcialmente o voto do tribunal originário, onde assim se justifica a classificação como contribuição de intervenção no domínio econômico:
“Cotejando-se a finalidade da contribuição do art. 57, I da Lei Pelé com a destinação dada aos recursos advindos da contribuição corporativa, resta desde logo afastada a tese do Apelante.
Do já exposto igualmente conclui-se que não se está a tratar de outras contribuições sociais genéricas (CF, art. 212, § 5º; SESI, SENAI, SENAC – CF, art. 240), e muito menos de contribuição destinada a seguridade social (CF, arts. 195, I, II, e § 4º). Note-se que a contribuição em tela se dirige a determinado grupo de beneficiários, e não ao sistema público de seguridade social.
[…]
Ao que se viu do dispositivo legal instituidor da contribuição ora em estudo, e a par das considerações já postas, pode-se concluir que se está sim a tratar de contribuição de intervenção no domínio econômico, imposta aos Clubes futebolísticos com vistas a amparar e qualificar atletas profissionais, ex-atletas e os em formação, todos ligados ao futebol, por meio da realização de cursos, entre outros, de maneira a diminuir desigualdades sociais e possibilitar o pleno emprego, atendendo, destarte, aos princípios da ordem econômica.”
Ocorre que, adotando como critério classificatório das contribuições o destino da arrecadação, que é o traço que diferencia o regime jurídico aplicável a cada uma delas, é possível perceber que de contribuição de intervenção no domínio econômico não se trata.
Isto porque o destino da arrecadação das contribuições de intervenção no domínio econômico deve ser revertido em favor do incentivo de determinada atividade, em especial para assegurar a livre concorrência, reprimir o abuso do poder econômico, reprimir o aumento arbitrário dos lucros, defender o consumidor, preservar o meio ambiente, assegurar ou proteger a empresa brasileira, especialmente a de pequeno porte, conforme Título VII da Constituição Federal, que trata da ordem econômica e financeira (arts. 170 a 181).
Não é o caso das contribuições do art. 57 da Lei Pelé que, segundo o próprio caput do artigo, se destinam a custear a assistência social e educacional aos atletas profissionais, aos ex-atletas e aos atletas em formação.
E a assistência social e a educação estão disciplinadas no Título VIII da Constituição Federal, que trata da ordem social (arts. 193 a 232), áreas que devem ser custeadas por contribuições sociais, entendimento que decorre da própria interpretação da Constituição Federal.
E o regulamento da Lei Pelé, Decreto n. 7.984/2013, bem detalha como é aplicada a arrecadação das contribuições em questão:
“Art. 53. Assistência social e educacional será prestada pela Federação das Associações de Atletas Profissionais – FAAP, ou pela Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol – FENAPAF, na forma do art. 57 da Lei nº 9.615, de 1998, com a concessão dos seguintes benefícios:
I – aos atletas profissionais: assistência financeira, para os casos de atletas desempregados ou que tenham deixado de receber regularmente seus salários por um período igual ou superior a quatro meses;
II – aos ex-atletas:
a) assistência financeira mensal ao incapacitado para o trabalho, desde que a restrição decorra de lesões ou atividades ocorridas quando ainda era atleta; e
b) assistência financeira mensal em caso de comprovada ausência de fonte de renda que garanta a sobrevivência ao ex-atleta; e
III – aos atletas em formação, aos atletas profissionais e aos ex-atletas: custeio total ou parcial dos gastos com educação formal.”
O destino da arrecadação das contribuições introduzidas pelo art. 57 da Lei Pelé tem, portanto, as finalidades de (i) prestar assistência financeira aos atletas profissionais desempregados ou que não estejam recebendo salário, (ii) assistência financeira mensal ao ex-atleta incapacitado para o trabalho ou que não possua fonte de renda que garanta a sua sobrevivência e (iii) custeio de educação formal para atletas em formação.
E tais finalidades são justamente as perseguidas pela seguridade social, nas suas modalidades de previdência social e assistência social. E não demanda muito esforço perceber que os itens descritos no parágrafo anterior se identificam com os arts. 201, incisos I e III, 203, III e V, da Constituição Federal, que tratam, respectivamente, da previdência social e da assistência social, integrantes da seguridade social, que têm a seguinte redação:
“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:
I – cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada;
[…]
III – proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
[…]
III – promoção da integração ao mercado de trabalho;
[…]
V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.”
Para evidenciar a identidade entre os possíveis destinos da arrecadação constitucionalmente estabelecidos para as contribuições sociais para a seguridade social e o destino da arrecadação das contribuições estabelecidas no art. 57 da Lei Pelé, como acima referido, traça-se o seguinte quadro comparativo 34:
Possíveis destinos da arrecadação das contribuições sociais para a seguridade social segundo a Constituição FederalDestino da arrecadação das contribuições previstas no art. 57 da Lei PeléProteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário (art. 201, III, da Constituição Federal)Assistência financeira, para os casos de atletas desempregados ou que tenham deixado de receber regularmente seus salários por um período igual ou superior a quatro meses (art. 53, I, do Decreto n. 7.984/2013)Cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada (art. 201, I, da Constituição Federal)Assistência financeira mensal ao incapacitado para o trabalho, desde que a restrição decorra de lesões ou atividades ocorridas quando ainda era atleta (art. 53, II, a, do Decreto n. 7.984/2013)Garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família (art. 203, V, da Constituição Federal)Assistência financeira mensal em caso de comprovada ausência de fonte de renda que garanta a sobrevivência ao ex-atleta (art. 53, II, b, do Decreto n. 7.984/2013)Promoção da integração ao mercado de trabalho (art. 203, III, da Constituição Federal)Custeio total ou parcial dos gastos com educação formal aos atletas em formação, aos atletas profissionais e aos ex-atletas (art. 53, III, do Decreto n. 7.984/2013)
Logo, levando em consideração o destino da arrecadação e/ou finalidade dessas contribuições, não podemos deixar de classificá-las como contribuições sociais para a seguridade social.
E por gravarem novas materialidades, instituindo novas fontes de custeio da seguridade social, são da subespécie contribuições sociais para a seguridade social residuais, as quais possuem requisitos específicos para sua instituição (art. 195, § 4º, da Constituição Federal): (i) criação por lei complementar, (ii) não possuírem fato gerador e base de cálculo idênticos aos dos impostos discriminados na Constituição, (iii) não cumulatividade e (iv) exigência após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído (art. 195, § 6º, da Constituição Federal).
Tendo em vista que tais contribuições não atendem pelo menos a dois desses requisitos (criação por lei complementar e não cumulatividade) não foram estas validamente instituídas, sendo, por esta razão, inconstitucionais.
Além disso, a cobrança das contribuições estabelecidas na Lei Pelé também encontra óbices no art. 149, § 2º, III, b, da Constituição Federal, que permite a instituição de contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico apenas sobre o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação:
“Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.
[…]
2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
[…]
III – poderão ter alíquotas: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
a) ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)”
Portanto, mesmo que se entendesse como correta a classificação das contribuições em questão como CIDEs, ainda assim seria inconstitucional a sua instituição, na medida em que não está constitucionalmente autorizada a cobrança de CIDE e contribuições sociais sobre a folha de salários.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As cobranças estabelecidas no art. 57 da Lei n. 9.615/1998, por se enquadrarem na definição de tributo estabelecida no art. 3º do CTN, possuem natureza tributária e, por esta razão, devem se submeter ao regime tributário.
Como o critério material da regra-matriz de incidência tributária de tais tributos não estabelece qualquer contraprestação estatal em favor do sujeito passivo, mas aspectos inerentes a negócios jurídicos do próprio contribuinte, a saber, (i) o pagamento de salário a atleta profissional pertencente ao Sistema Brasileiro do Desporto e (ii) a realização de transferências nacionais e internacionais de atletas, mas com previsão específica do destino da arrecadação, as cobranças em questão são contribuições.
Levando em consideração o destino da arrecadação e/ou finalidade dessas contribuições, que é o critério constitucional a ser utilizado para classificar contribuições, estas devem ser classificadas como contribuições sociais para a seguridade social residuais, pois instituem novas fontes de custeio da seguridade social.
E tais contribuições possuem requisitos específicos para sua instituição (art. 195, § 4º, da Constituição Federal): (i) criação por lei complementar, (ii) não possuírem fato gerador e base de cálculo idênticos aos dos impostos discriminados na Constituição, (iii) não cumulatividade e (iv) exigência após decorridos 90 dias da data da publicação da lei que as houver instituído (art. 195, § 6º, da Constituição Federal).
Como tais contribuições não atendem pelo menos dois desses requisitos (criação por lei complementar e não cumulatividade) não foram estas validamente instituídas, sendo, por esta razão, inconstitucionais.
Além disso, mesmo que se entendesse como correta a classificação das contribuições em questão como CIDEs, ainda assim seria inconstitucional a sua instituição, na medida em que não está constitucionalmente autorizada a cobrança de CIDE e contribuições sociais sobre a folha de salários, conforme art. 149, § 2º, III, b, da Constituição Federal.
Assim, com base nos critérios ora adotados, é possível a revisão da jurisprudência majoritária que tem afirmado que as contribuições do art. 57 da Lei n. 9.615/1998 caracterizam-se como contribuições de intervenção no domínio econômico, que foram validamente instituídas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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FAVACHO, Fernando Gomes. Crise na classificação dos tributos. Revista de Direito Tributário n. 118. São Paulo: Malheiros, jan. 2013.
LINS, Robson Maia. Curso de direito tributário brasileiro. 1. ed. São Paulo: Noeses, 2019.
MOUSSALÉM, Tárek Moysés. Classificação de tributos. Uma visão analítica. IV Congresso Nacional de Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2007.
ROSA, Íris Vânia Santos. A penhora na execução fiscal. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2019.
SIMÕES, Thiago Taborda. Contribuições sociais – aspectos tributários e previdenciários. São Paulo: Noeses, 2013.
Geraldo Ataliba, ao analisar o conceito de tributo estabelecido no art. 3º do CTN é enfático ao afirmar que “não é função de lei nenhuma formular conceitos teóricos” (ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed., 17. tir. São Paulo: Malheiros, 2018, p. 32). ↩
Aurora Tomazini de Carvalho assim distingue direito positivo e Ciência do Direito: “Uma coisa é o direito positivo enquanto conjunto de normas jurídicas válidas num dado país, outra coisa é a Ciência do Direito enquanto conjunto de enunciados descritivos destas normas jurídicas. São dois planos de linguagem distintos, cujas diferenças devem estar bem definidas em nossa mente para não incidirmos no erro de confundi-los.” (CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lógico-semântico. São Paulo: Noeses, 2009, p. 88) ↩
A recente Lei n. 13.874/2019, que instituiu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, alterou o art. 50 do Código Civil para estabelecer, em seus §§ 1º e 2º, as definições de desvio de finalidade e confusão patrimonial, da seguinte forma: “Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.
1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.
2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:
I – cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; II – transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e III – outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.” ↩
Do mesmo entendimento comunga Robson Maia Lins: “Neste contexto, parece-nos que o direito positivo, desde que obedecidos aos limites constitucionais, não só pode como deve estabelecer definições dos conceitos empregados no texto jurídico, as quais bem servirão ao funcionamento do sistema.” (LINS, Robson Maia. Curso de direito tributário brasileiro. 1. ed. São Paulo: Noeses, 2019, p. 371) ↩
Tárek Moysés Moussalém assim refere sobre o conceito constitucional de tributo: “[…] o conceito de tributo é constitucionalmente pressuposto por questão extra-lógica. Não é Lógica quem decide quais critérios são superiores e quais são inferiores na tabela classificatória. Mas sim, o direito positivo (e de certa forma a Ciência) em sua hierarquia estrutural. Seria desrespeito aos cânones do direito positivo admitir o conceito de tributo como infraconstitucional e colocá-lo no topo da tabela classificatória como classe universal, isto é, universo do discurso.” (MOUSSALÉM, Tárek Moysés. Classificação de tributos. Uma visão analítica. IV Congresso Nacional de Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2007, p. 617) ↩
“Não encontramos, contudo, definição do conceito de tributo na Carta. E, para corroborar isto, a própria constituição atribui ao Congresso Nacional, mediante lei complementar, em seu art. 146, inciso III, alínea ‘a’, a competência para elaborar a ‘definição de tributo e suas espécies’. Não se olvida com isso que a análise das normas constitucionais possa vir a confirmar ou infirmar definições do conceito de tributo de inferior hierarquia, nem se deve esquecer que os tributos indicados na Constituição são tributos independentemente das notas definitórias de outros veículos introdutores de normas.” (FAVACHO, Fernando Gomes. Crise na classificação dos tributos. Revista de Direito Tributário n. 118. São Paulo: Malheiros, jan. 2013, p. 81-91) ↩
Paulo Ayres Barreto também entende que o conceito do CTN foi recepcionado pela Constituição Federal: “Várias alusões ao vocábulo tributo e suas espécies, na Constituição de 88, confirmam a incorporação do conceito preexistente de tributo.” (BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições – regime jurídico, destinação e controle. São Paulo: Noeses, 2011, p. 37) ↩
Alfredo Augusto Becker admite que a obrigação tributária seja satisfeita por uma prestação in natura ou in labore: “Portanto, a fim de que a relação jurídica tenha natureza jurídica tributária, pouco importa que a obrigação, por ela gerada, seja satisfeita por uma prestação em dinheiro ou in natura ou in labore, pois, nas três hipóteses, o conteúdo jurídico da prestação será sempre o mesmo: um prestar, isto é, um ato positivo (facere) ou um ato negativo (non facere) do sujeito passivo na relação jurídica. Por sua vez, o sujeito ativo, no outro polo da relação jurídica, terá, nas três hipóteses, sempre o mesmo direito de natureza pessoal.” (BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 7. ed. São Paulo: Noeses, 2018, p. 677) ↩
“Art. 156. Extinguem o crédito tributário:[…]XI – a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei.” ↩
Parte da doutrina passou a entender que a dação em bens móveis não se enquadraria no conceito de tributo do art. 3º do CTN, uma vez que este faz expressa menção à “prestação pecuniária” e “em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir”. Todavia, conforme afirma Paulo de Barros Carvalho, tal objeção não se sustenta: “Não há por que confundir a regra-matriz de incidência tributária, que, no espaço sintático de consequente, traz elementos de uma relação jurídica cuja prestação consubstancia a entrega de certa soma em dinheiro, a norma jurídica extintiva, que prevê, no seu antecedente, a hipótese de realização da dação de imóveis – cumpridas as condições previstas em lei ordinária de cada ente político, na esfera de sua competência impositiva – e, no consequente, enunciados que serão utilizados para, no cálculo lógico das relações normativas, fazer desaparecer o crédito tributário. Vê-se que a regra-matriz de incidência continua veiculando o dever de pagar em pecúnia, jamais mediante a entrega de bens. A norma individual e concreta decorrente da regra-matriz também estipulará um valor pecuniário no interior da relação jurídico-tributária. Outra norma fixará a possibilidade de o contribuinte satisfazer a obrigação mediante a entrega de bem imóvel. Logo, a definição de tributo prevista no art. 3º do Código Tributário Nacional não sofreu modificações, valendo todos os comentários feitos anteriormente.” (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 7. ed. rev. São Paulo: Noeses, 2018, p. 612) ↩
“A distinção entre tributo e penalidade é exatamente a ilicitude presente nesta última, enquanto o tributo tem como hipótese de incidência sempre algo lícito.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp n. 410.395/SC, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, j. 05.09.2002, DJ 18.11.2002, p. 162) ↩
ROSA, Íris Vânia Santos. A penhora na execução fiscal. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2019, p. 182. ↩
Perceba-se que em um primeiro momento deve-se definir se o regime tributário é aplicável ou não à determinada exação, o que quer dizer, definir se esta se trata de tributo ou não, aplicando-se ou não todas as limitações constitucionais e legais decorrentes de tal regime (v.g., legalidade, irretroatividade, anterioridade…). Uma vez definido que à exação é tributo, aplicando-se o regime tributário, deve ser definido de qual espécie de tributo se trata, uma vez que cada espécie tributária possui um regime jurídico tributário distinto aplicável. ↩
“No plano jurídico, todo e qualquer tributo pertencerá a uma dessas duas categorias: imposto ou taxa. A serena análise científico-jurídica, em cada caso singular, revelará que inexiste terceira categoria ou categoria mista. Os chamados ‘tributos parafiscais’, ‘contribuições de melhoria’, ‘empréstimos compulsórios’ e ‘monopólios fiscais’, ao serem dissecados pelo método científico-jurídico (não pelos tradicionais ‘métodos’ híbridos que confundem os critérios e conceitos da Ciência das Finanças Públicas com os do Direito Tributário), desnudam-se da ‘camouflage’ político-fiscal ou histórico-filosófica ou simplesmente retórica-acadêmica e mostram-se verdadeiros impostos ou taxas.” (BECKER, Alfredo Augusto. Op. cit., p. 406) ↩
“O interesse científico dessa classificação está no seu ponto de partida: o exame das unidades normativas, visualizadas na conjugação do suposto (hipótese de incidência), e da base de cálculo (que está na consequência da norma), mantendo plena harmonia com a diretriz constitucional que consagra a tipologia tributária no direito brasileiro. Convém aduzir, entretanto, que a acolhemos com a seguinte latitude: os tributos podem ser vinculados a uma atuação do Estado – taxas e contribuições de melhoria – e não vinculados – impostos. As outras contribuições, por revestirem ora caráter de tributos vinculados, ora o de impostos, não constituem categoria à parte, pelo que hão de subsumir-se numa das espécies enumeradas.” (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 68) “Apesar de o assunto ainda suscitar acaloradas discussões doutrinárias, continuamos entendendo que a destinação da receita proveniente da tributação não altera – pelo menos não necessariamente – a classificação supra. Neste sentido, já adiantamos que os empréstimos compulsórios (tributos cuja receita há de ser devolvida ao contribuinte) e as ‘contribuições’ (tributos com destinação especificada nos arts. 149 e 195 da CF) podem ser reconduzidos às modalidades imposto, taxa ou, no caso daqueles, até, contribuição de melhoria.” (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 24. ed., rev., ampl. e atual. até a Emenda Constitucional n. 56/2007. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 515) ↩
O Supremo Tribunal Federal, quando teve a oportunidade de apreciar o tema dividiu as espécies tributárias em quatro, da seguinte forma: (a) os impostos (CF, arts. 145, I, 153, 154, 155 e 156); (b) as taxas (CF, art. 145, II); (c) as contribuições, que podem ser assim classificadas: c.1. de melhoria (CF, art. 145, III); c.2. parafiscais (CF, art. 149), que são: c.2.1. sociais: c.2.1.1. de seguridade social (CF, art. 195, I, II, III), c.2.1.2. outras de seguridade social (CF, art. 195, § 4º), c.2.1.3. sociais gerais (o FGTS, o salário-educação, CF, art. 212, § 5º, contribuições para o SESI, SENAI, SENAC, CF, art. 240); c.3. especiais: c.3.1. de intervenção no domínio econômico (CF, art. 149) e c.3.2. corporativas (CF, art. 149); e (d) os empréstimos compulsórios (CF, art. 148). (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, RE n. 138.284/CE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 28.08.1992) ↩
“Assim, sem abandonarmos a classificação constitucionalmente contemplada, entre tributos vinculados e não vinculados a uma atuação estatal (arts. 145, I a III), podemos visualizar, no texto fundamental, cinco regimes jurídicos distintos, que apontam para categorias do imposto, da taxa, da contribuição de melhoria, do empréstimo compulsório e das demais contribuições.” (COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário: Constituição e Código Tributário Nacional. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 109) “Com a conjugação desses três critérios, conseguimos identificar as cinco espécies tributárias autorizadas pelo texto constitucional: impostos, taxas, contribuições de melhoria, contribuições e empréstimos compulsórios.” (LINS, Robson Maia. Op. cit., p. 392) ↩
A divergência existente na doutrina que classifica as espécies tributárias – em especial a tripartite e quinquipartite – reside no fato de se considerar ou não entre os critérios classificatórios questões alheias ao critério material da hipótese da regra-matriz de incidência tributária, quais sejam, as normas jurídicas que disciplinam o destino da arrecadação e a possibilidade de restituição do tributo. Assim, pode-se falar em uma classificação intranormativa, que leva em consideração para classificação das espécies tributárias exclusivamente o critério material da hipótese da regra-matriz de incidência tributária, e uma classificação internormativa, que, além do critério material da hipótese, também toma como critérios classificatórios o destino da arrecadação e a possibilidade de restituição do tributo. A primeira, intranormativa, considera apenas uma norma jurídica, a de incidência, enquanto a segunda, internormativa, se arvora no entrelaçamento de normas jurídicas (de incidência, do destino da arrecadação e de restituição). ↩
A parafiscalidade se caracteriza pela delegação da capacidade tributária ativa pela pessoa política competente para a criação do tributo a outra pessoa jurídica, competindo a esta última, ainda, o produto da arrecadação, devendo esta pessoa perseguir finalidades públicas ou pelo menos de interesse público. É importante ter em mente que a “contribuição parafiscal” não se trata de uma espécie autônoma de contribuição com regime diferenciado aplicável. Significa apenas que a contribuição será cobrada e arrecadada por ente diverso daquele que instituiu a exação. ↩
CASTELLANI, Fernando Ferreira. Contribuições especiais e sua destinação. São Paulo: Noeses, 2009. ↩
“Constitucional. Tributário. Contribuições sociais. Contribuições incidentes sobre o lucro das pessoas jurídicas. Lei n. 7.689, de 15.12.88. I – Contribuições parafiscais: contribuições sociais, contribuições de intervenção e contribuições corporativas. C.F., art. 149. Contribuições sociais de seguridade social. C.F., arts. 149 e 195. As diversas espécies de contribuições sociais. II – A contribuição da Lei 7.689, de 15.12.88, é uma contribuição social instituída com base no art. 195, I, da Constituição. As contribuições do art. 195, I, II, III, da Constituição, não exigem, para a sua instituição, lei complementar. Apenas a contribuição do parag. 4. do mesmo art. 195 e que exige, para a sua instituição, lei complementar, dado que essa instituição deverá observar a técnica da competência residual da União (C.F., art. 195, parag. 4.; C.F., art. 154, I). Posto estarem sujeitas a lei complementar do art. 146, III, da Constituição, porque não são impostos, não há necessidade de que a lei complementar defina o seu fato gerador, base de cálculo e contribuintes (C.F., art. 146, III, ‘a’).” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, RE n. 138.284-8/CE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 01.07.1992, publicado em 28.08.1992) ↩
SIMÕES, Thiago Taborda. Contribuições sociais – aspectos tributários e previdenciários. São Paulo: Noeses, 2013, p. 58. ↩
DERZI, Misabel. Contribuições. Revista de Direito Tributário n. 48. São Paulo: RT, abr./jun. 1989, p. 228-229. ↩
DERZI, Misabel. Op. cit., p. 228-229. ↩
Nesse sentido é a lição de Fernando F. Castellani: “Concluindo, as contribuições de intervenção no domínio econômico, que são as figuras tributárias que nos interessam neste momento, somente serão permitidas quando o Estado propicie atividade interventiva consistente em incentivo para a iniciativa privada.” (CASTELLANI, Fernando Ferreira. Op. cit., p. 141) ↩
Em que pese nosso entendimento, o STF tem decidido pela desnecessidade de existir vinculação direta entre o contribuinte da CIDE e o benefício proporcionado (referibilidade), como dá conta o seguinte julgado: “Ementa: agravo regimental no recurso extraordinário. Tributário. Desnecessidade de edição de lei complementar para criação da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE e de vinculação direta entre o contribuinte e o benefício proporcionado. Precedentes. Agravo regimental ao qual se nega provimento.” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, RE n. 564.901 AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, j. 01.02.2011, publicado em 21.02.2011) ↩
CARRAZZA, Roque Antonio. Op. cit., p. 590. ↩
O Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, assentou a constitucionalidade de tal contribuição, decidindo que se trata de um novo tipo de contribuição, que não se confunde com taxa ou imposto: “Ementa: constitucional. Tributário. RE interposto contra decisão proferida em ação direta de inconstitucionalidade estadual. Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública – COSIP. Art. 149-A da Constituição Federal. Lei Complementar 7/2002, do Município de São José, Santa Catarina. Cobrança realizada na fatura de energia elétrica. Universo de contribuintes que não coincide com o de beneficiários do serviço. Base de cálculo que leva em consideração o custo da iluminação pública e o consumo de energia. Progressividade da alíquota que expressa o rateio das despesas incorridas pelo município. Ofensa aos princípios da isonomia e da capacidade contributiva. Inocorrência. Exação que respeita os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Recurso extraordinário improvido. I – Lei que restringe os contribuintes da COSIP aos consumidores de energia elétrica do município não ofende o princípio da isonomia, ante a impossibilidade de se identificar e tributar todos os beneficiários do serviço de iluminação pública. II – A progressividade da alíquota, que resulta do rateio do custo da iluminação pública entre os consumidores de energia elétrica, não afronta o princípio da capacidade contributiva. III – Tributo de caráter sui generis, que não se confunde com um imposto, porque sua receita se destina a finalidade específica, nem com uma taxa, por não exigir a contraprestação individualizada de um serviço ao contribuinte. IV – Exação que, ademais, se amolda aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. V – Recurso extraordinário conhecido e improvido.” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, RE n. 573.675, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, j. 25.03.2009, publicado em 22.05.2009) ↩
BRASIL. Supremo Tribunal Federal, ARE n. 710.133 AgR, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, j. 25.06.2014, publicado em 13.08.2014. ↩
BRASIL. Supremo Tribunal Federal, ARE n. 679.791, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 24.09.2013, publicado em 01.10.2013. ↩
“Ementa: apelação cível. Ação declaratória. Contribuição assistencial em favor dos atletas profissionais, ex-atletas e em formação. Inexistência de ilegalidade. A contribuição instituída pela Lei nº 9.615/1998 em favor dos atletas profissionais, ex-atletas e em formação detém natureza tributária (art. 149 da CF). O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido da dispensabilidade de lei complementar para a criação de contribuições de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais. A contribuição não é imposto, por isso, não se exige que a lei complementar defina sua hipótese de incidência, a base imponível e contribuintes. Precedentes do STF. Legalidade da exação. Apelação desprovida.” (BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Apelação Cível n. 70039303862, Vigésima Primeira Câmara Cível, Rel. Marco Aurélio Heinz, j. 23.02.2011) ↩
“Cobrança. Contribuição de intervenção no domínio econômico. Art. 57, inciso I, alínea ‘b’, da Lei nº 9.615/98 (Lei Pelé). Natureza tributária. Possibilidade de instituição mediante lei ordinária. Constitucionalidade e legalidade da cobrança. Incidência sobre os valores dos contratos anexados aos autos. Redução dos honorários. Precedentes. Sentença parcialmente reformada. Recurso conhecido e provido em parte.” (BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Apelação Cível n. 1049821-54.2017.8.26.0100, Rel. Vera Angrisani, Segunda Câmara de Direito Público, j. 31.05.2019, registrado em 31.05.2019) ↩
“Ementa: apelação cível – ação de cobrança de percentual em negociação de transferência de atleta profissional de futebol – petição inicial – legitimidade ativa para a causa – prescindibilidade de prova – constitucionalidade da contribuição prevista no artigo 57, inciso I, alínea ‘b’, da Lei Pelé (nº 9.615/1998) – obrigação tributária – base de cálculo. Pedido sucessivo ilíquido determinável, frente à necessidade de se confirmar dados que interferem no valor da condenação, não torna inepta a inicial. Por força de previsão legal expressa, a federação das associações de atletas profissionais (FAAP) é o sujeito ativo da contribuição prevista no artigo 57, inciso I, da Lei Pelé, tendo, portanto, legitimidade para a respectiva cobrança, não sendo necessária formação de litisconsórcio com associações de garantia a atleta profissional (AGAP’s). Não traduz cerceamento de defesa ausência de produção de prova destinada a demonstrar fato irrelevante para a resolução da lide. O artigo 57, inciso I, da Lei Pelé, estabelece contribuição de intervenção no domínio econômico, o que encontra fundamento de validade no art. 149 da CF. Tributo não vinculado independe de qualquer atividade estatal relacionada ao particular, bastando que ocorra fato gerador.” (BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, Apelação Cível n. 1.0000.18.086300-3/001, Rel. Des. José Augusto Lourenço dos Santos, Décima Segunda Câmara Cível, j. 27.03.2019, publicado em 01.04.2019) ↩
Nesse ponto é importante destacar que, em que pese o destino da arrecadação estabelecido para as contribuições do art. 57 da Lei n. 9.615/1998 esteja detalhado em Decreto, tal não importa concluir que a natureza jurídica dessa contribuição é definida por decreto. Isto porque o próprio caput do art. 57 da Lei n. 9.615/1998 é claro ao afirmar que estas foram instituídas para custear a assistência social e educacional aos atletas profissionais, aos ex-atletas e aos atletas em formação, evidenciando o seu caráter de contribuição social para a seguridade social. Portanto, eventual decreto que venha a modificar a destinação da arrecadação para outra finalidade que não a seguridade social será inconstitucional e ilegal. ↩
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