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VARIAÇÃO ABRUPTA E INESPERADA DO DÓLAR NORTE-AMERICANO E REVISÃO DE CONTRATOS BANCÁRIOS


Sumário: 1. Exposição da Consulta. 2. Parecer. 2.1 – A Constituição Federal, a Liberdade Contratual e a Função Social. 2.2 – O Contrato Firmado entre a Consulente e o (...) – Filial Brasileira e as Relações entre os Contratantes. 2.2.1 – As Tratativas entre o Banco e a Empresa. 2.2.2 – As Notas de Negociação Emitidas e suas Circunstâncias. 2.3 - Mercado, Isonomia, Sobrevivência e Segurança. 2.4 – O Contrato entre as Partes é de Adesão. 2.5 – As Cláusulas Abusivas. 2.6 – Os Ajustes Celebrados pelas Partes e a Onerosidade Excessiva. 2.6.1 – Os Contratos Aleatórios e a Onerosidade Excessiva. 2.6.2 – A Revisão dos Ajustes entre as Partes por Onerosidade Excessiva. 2.6.2.1 – A Configuração dos Requisitos para a Revisão dos Ajustes. 2.7 – A Solução do Caso é a Resolução do Contrato. 2.8 – Conclusões. 2.9 – Respostas aos Quesitos da Consulente.

P A R E C E R

1. Exposição da Consulta

A empresa (...) LTDA. noticiando ter ajuizado ação de revisão e rescisão de contratos que ajustou com (...) – Filial Brasileira, expõe e indaga o seguinte:

“Pelo presente, solicitamos a V. Exa. parecer jurídico sobre as questões postas na ação de revisão e rescisão de contratos de swap que (...) LTDA. move a (...), objeto do processo ora em trâmite perante a 16ª Vara Cível de São Paulo, em face da declinação da competência, onde tem o nº 583.00.2010.105673-3.

O fulcro do litígio diz respeito à aplicação das cláusulas ‘8’ e ‘10.3’ da Nota de f. 25/26, que estipulam a limitação das perdas unicamente em favor do banco, fraudando os princípios da comutatividade e da isonomia, ensejando a intervenção judicial para restabelecer o equilíbrio contratual.

Sustenta a autora tratar-se de contrato de adesão, por isso revisável.

A autora também sustenta que a alta desmesurada do Dólar norte-americano a partir de setembro de 2008 é fato extraordinário e imprevisível hábil a embasar a revisão/rescisão do contrato por ter determinado que a prestação tenha-se tornado excessivamente onerosa.

Sustenta que a alteração da base do negócio, que enseja a intervenção judicial para revisá-lo com base nos artigos 478, 317 e 421 do Código Civil, em razão da inviabilização da empresa por conseqüência da sua aplicação.

Defende, por fim, não se enquadrar a espécie unicamente na moldura dos contratos aleatórios, como quer o banco, mas na falta de isonomia das cláusulas ‘8’ e ‘10.3’, impostas em contrato de adesão, revisáveis, malgrado as declarações de (sic) prejudiciais à aderente, por que abusivas.

Além da análise jurídica que V. Exa. possa fazer dessas questões, e da procedência da sua invocação na causa, solicitamos resposta aos seguintes quesitos:

1) A espécie se enquadra como de contrato de adesão?

2) As cláusulas ‘8’ e ‘10.3’ da Nota de f. 25/26 fraudam os princípios da comutatividade e da isonomia, ensejando a intervenção judicial para restabelecer o equilíbrio contratual?

3) A alta do Dólar Norte-americano ocorrida a partir de setembro de 2008 se constitui em fato extraordinário e imprevisível autorizador da revisão/rescisão do contrato, quer pela alteração da base do negócio, quer por ter tornado excessivamente onerosa a prestação da autora?

4) Para além da disciplina dos contratos aleatórios, a espécie contém cláusulas ilegais que sujeitam uma das partes ao poder da outra, sendo, por isso, revisável?

5) Outros esclarecimentos considerados oportunos.

Valemo-nos da oportunidade para apresentar-lhe os protestos de consideração e respeito.”

Assim exposta a consulta e respectivos quesitos, e tendo a Consulente fornecido ao signatário cópia integral do processo até a fl. 509, além de informações escritas sobre as operações objeto da discussão e dados sobre faturamento da Empresa, passa-se a emitir o Parecer nos termos que seguem.

O exame da questão, como se pode perceber pelo teor da consulta, passa pela análise da temática dos contratos de adesão, dos contratos aleatórios, das cláusulas abusivas e da onerosidade excessiva.

2. Parecer

2.1 – A Constituição Federal, a Liberdade Contratual e a Função Social

A Constituição Federal de 1988 trouxe consigo - além de uma tábua não-exaustiva de direitos fundamentais - orientação e diretrizes democratizantes e de justiça social.

No seu Preâmbulo a Constituição Federal já enuncia o Estado Democrático, indicando, em absoluta primeira mão, que tal Estado é destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais.

Assim, são fundamentos constitucionais da República Federativa do Brasil, entre outros, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e o valor da livre iniciativa[1] (CF, art. 1º, III e IV).

Além disso, a Constituição Federal preceitua que o Estado Democrático por ela instituído é destinado a assegurar, entre outros valores, a igualdade e a justiça (CF, Preâmbulo), estabelecendo como princípio fundamental a isonomia (CF, arts. 3º, IV, e 5º, caput, XLI), seja no sentido de determinar a igualação, seja no sentido de exigir a desigualdade em certas situações, impondo tratamento proporcional e justo, seja ainda no sentido de proibir determinadas discriminações ou desigualações.[2]

Em conexão com essas disposições, a Constituição Federal, ao estabelecer os princípios gerais da atividade econômica, reitera que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, com a finalidade de assegurar existência digna de acordo com a justiça social (CF, art. 170, caput).

Além disso, a Constituição, a par de assegurar a propriedade privada (CF, arts. 5º, XXII, e 170, II), estabelece também a função social dessa mesma propriedade (CF, arts. 5º, XXIII, 170, III, 184, § 2º, 185, par. único, e 186), admitindo, ainda, dentre outras, a desapropriação por interesse social (CF, arts. 5º, XIV, e 184)

Ademais, ao lado da livre iniciativa e da livre concorrência, a Constituição Federal estabelece a redução das desigualdades sociais (CF, arts. 3º, III, e 170, VII), a proteção do meio ambiente (CF, art. 170, VI), a proteção do consumidor e o tratamento diferenciado e favorecido às empresas brasileiras de pequeno porte (CF, arts. 146, III, ‘d’, 170, IX, e 179).

O próprio sistema financeiro nacional, do qual fazem parte as instituições financeiras – como o Banco ora em litígio com a Empresa consulente – tem que ser estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade (CF, art. 192).

Assim, embora seja livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (CF, art. 5º, XIII), e seja assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica (CF, art. 170, par. único), o fato inegável é que o exercício de qualquer trabalho ou atividade econômica, no sistema jurídico brasileiro, deve atender ao bem comum e à justiça social, de modo que toda empresa possui uma função social.

Observa-se, ainda, por uma visão sistêmica das disposições constitucionais, que há uma conexão entre direitos fundamentais e ordem econômica, no âmbito de uma perspectiva democrática e capitalista, mas que é, ao mesmo tempo, profundamente socializante.

Na verdade, numa Constituição, que deve ser sempre a Constituição atual, individual e concreta, pois ela serve para resolver problemas jurídico-constitucionais práticos, postos hic et nunc,[3] há sempre subentendida uma ideologia constitucional,[4] ou uma idéia de direito subjacente[5] ao texto constitucional.

Assim, além de se tratar de um diploma normativo concreto e atual, que deve ser interpretado sistematicamente, a Constituição tem que ser interpretada e aplicada tendo em conta a ideologia subjacente, pois, como acentua Eros GRAU, “O direito – e, muito especialmente, a Constituição – é não apenas ideologia, mas também nível no qual se opera a cristalização de mensagens ideológicas. Por isso as soluções de que cogitamos somente poderão ser tidas como corretas quando e se adequadas e coerentes com a ideologia constitucionalmente adotada. (...) Esta ideologia, perfeitamente determinável e definível no bojo do discurso constitucional, vincula o intérprete, de sorte, precisamente, a repudiar a postura, aludida por Canotilho, assumida por quantos optam por concepções ideológicas dela diferentes, e a ensejar o exercício, pelo mesmo Canotilho referido, de um prudente positivismo, indispensável à manutenção da obrigatoriedade normativa do texto constitucional.”[6]

Em outras palavras, se a Constituição - seja ela decorrente de um movimento revolucionário ou de uma assembléia constituinte - vem animada por uma idéia de direito liberal, não poderá ser adotado o confisco como medida com ela compatível, e, se vem embalada por uma idéia de direito socialista, certamente não pode ter a propriedade privada como direito absoluto.[7]

E, se assim não fosse, estaríamos diante de uma intransponível contradição performativa, uma espécie de antinomia sistêmica em que o próprio sistema jurídico estaria sendo contrariado por disposições dele próprio.

Entretanto, o Direito, como sustenta Robert ALEXY, possui necessariamente uma pretensão de correção,[8] a qual, aliás, não existe apenas no Direito, porque as pretensões de correção são formuladas em relação a juízos morais de valor e de obrigação e sua forma mais geral está vinculada com o ato de fala de asserção ou afirmação. E os juízos morais de valor e de obrigação são verdadeiras afirmações, e somente são afirmações aqueles atos de fala em que se formula uma pretensão de verdade ou correção. Daí que a renúncia à pretensão de correção mudaria nossa linguagem, e com isso mudaria também nossa auto-compreensão e nossa própria vida, pois em vez de juízos e afirmações haveria apenas sentimentos e opiniões, e as fundamentações transformar-se-iam em persuasões, e o lugar da correção e da verdade seria ocupado por manipulações eficazes e convicções arraigadas, e tudo seria subjetivo e nada objetivo.[9]

A referida pretensão de correção também compreende uma pretensão de justiça. É o mesmo ALEXY que traz o exemplo de uma Constituição que em seu artigo 1º estabelecesse que determinado país é uma república soberana, federal e injusta.[10]

Ora, com o ato de promulgar uma Constituição formula-se necessariamente uma pretensão de correção que é essencialmente uma pretensão de justiça, que, no caso do exemplo, seria uma pretensão de justiça contida na afirmação de que a república constituída é justa. Daí a contradição que se revela no fato de que o ato de promulgar a Constituição realiza implicitamente uma afirmação que contradiz o conteúdo expresso do ato constituinte que se traduziu na cláusula de injustiça. Assim, as contradições, entre o conteúdo de um ato e o que se pressupõe necessariamente com a execução dele, são denominadas de contradições performativas.[11]

E isso é o que ocorreria se o Código Civil fosse interpretado e aplicado em contradição com os valores e princípios constitucionais e com os demais princípios jurídicos em geral que permeiam o ordenamento jurídico brasileiro.

Em tais circunstâncias, se a Constituição Federal alberga uma tábua não-exaustiva de direitos fundamentais (CF, art. 5º, § 2º), se está impregnada pelos valores e princípios da justiça social, da livre iniciativa, da liberdade de trabalho e atividade, da redução das desigualdades sociais, da dignidade da pessoa humana, da função social da empresa, do sistema financeiro estruturado para promover o desenvolvimento equilibrado e servir aos interesses da coletividade, então não há dúvida de que a idéia de direito subjacente à Constituição Federal é uma idéia democrática, capitalista, mas ao mesmo tempo socializante, que busca a justiça nas relações jurídicas em geral, o que se traduz na concretização do bem comum, da justiça social e principalmente no equilíbrio e na justiça das relações jurídicas e dos contratos em geral.

Na verdade, a ordem constitucional econômica, como acentua Eros GRAU, é uma parcela da ordem jurídica, caracterizada como um conjunto de princípios jurídicos de conformação do processo econômico, os quais “... gravitam em torno de um núcleo, que podemos identificar nos regimes jurídicos da propriedade e do contrato.”[12]

Assim, não só o Código Civil deve ser interpretado à luz dos direitos fundamentais e dos princípios constitucionais, mas também as relações jurídicas em geral e, particularmente, os contratos celebrados entre as partes, os quais devem ser interpretados segundo essa postura hermenêutica e interpretativa, que visualiza os dispositivos do Código Civil sob o manto dos princípios explícitos e implícitos contidos na Constituição Federal e no ordenamento jurídico, especialmente no que respeita à revisão dos contratos.[13]

O Direito em geral, e não só a Constituição Federal, como é de comum sabença, é permeado de princípios explícitos e implícitos, os quais não dependem de autorização de nível puramente legal para serem aplicados pelo intérprete ou operador jurídico.[14]

O Código Civil vigente, embora oriundo de projeto apresentado muito tempo antes da promulgação da Constituição de 1988, veio a incorporar e a desenvolver os princípios constitucionais e os princípios jurídicos em geral, particularmente no atinente à temática dos contratos e do respectivo equilíbrio contratual.

Além disso, mesmo que não incorporasse os princípios constitucionais e os princípios jurídicos em geral, ainda assim a interpretação e aplicação do Código Civil haveria de ser feita sempre tendo como diretriz o valores e princípios jurídicos pertinentes, implícitos ou explícitos no ordenamento jurídico, razão pela qual a revisão dos contratos consolida-se como instrumento de efetivação direta dos princípios constitucionais e como hermenêutica das disposições do Código Civil, com aplicação indireta dos princípios constitucionais.[15]

Na verdade, a redação do novo Código Civil, acompanhando a tendência moderna, incorporou cláusulas gerais e conceitos indeterminados que necessitam de densificação, a qual deve ser levada a efeito segundo os princípios e valores constitucionais, encampando regras de intervenção estatal no conteúdo material dos contratos, os quais passam a ser visualizados sob as perspectivas da justiça, da eqüidade e do equilíbrio contratual, revelando, o Código Civil, uma nova concepção social, muito assemelhado nesse ponto ao Código de Defesa do Consumidor.[16]

Como acentua WELTON, “... cunhou-se no Texto Constitucional os princípios da solidariedade, da igualdade substancial e da justiça (...)”, sob cuja influência “... os princípios clássicos dos contratos foram ampliados, ganhando novos contornos. A liberdade de contratar nasce hoje comprometida com a boa-fé e com a probidade. Faz parte da liberdade contratual a responsabilidade de respeitar o outro, de colaborar, de agir com lealdade, além de não causar dano, de não agir abusivamente. Não há mais como desassociar a liberdade contratual de tais ingerências, pois trata-se de uma limitação positiva, condicionando a liberdade a um fim social.”[17]

Em decorrência desse novo contexto constitucional e legal, afirma-se a concepção social do contrato, a sua função social e a justiça contratual, a qual se deslocou da qualidade da manifestação da vontade para princípio da equivalência material das prestações, sendo, este último princípio, o veículo pelo qual a justiça contratual concretamente se realiza, com especial atenção ao contratante em posição econômica inferior e mais vulnerável.[18]

Os princípios do equilíbrio contratual e da equivalência material das prestações, que também fundamentam a onerosidade excessiva por fato superveniente e imprevisível, também decorrem do princípio constitucional da igualdade ou isonomia a que antes se fez referência. A relevância do princípio da isonomia é acentuado por BORGES quando enuncia que “O cuidado com a isonomia constitucional não pode ser relegado a plano secundário, sob pena de proscrição de princípios secularmente sedimentados pela melhor doutrina e jurisprudência, em todo o mundo. À luz dos mais elementares princípios de eqüidade, isto é indiscutível: em situações idênticas, diante da lesão iminente, devedor e credor devem merecer – e receber - da lei o mesmo tratamento.”[19]

Assim, é no âmbito dessa perspectiva constitucional, e dentro dessa linha de interpretação do Código Civil, que se deve visualizar, interpretar e revisar os contratos, especialmente aqueles pactuados entre instituições do sistema financeiro e as empresas em geral, como é o caso sob exame no presente estudo.

2.2 – O Contrato Firmado entre a Consulente e o Citibank N. A. – Filial Brasileira e as Relações entre os Contratantes

O contrato constante dos autos do processo objeto deste Parecer,[20] conforme se observa por sua redação, é estipulado na forma de cláusulas gerais – na verdade, trata-se de contrato de adesão, como adiante se verá - sendo, as operações dele decorrentes, ajustadas nas denominadas ‘notas de negociação’.

Esse contrato, composto pelas cláusulas gerais, foi firmado em 04/04/2007, sendo que a primeira nota de negociação dele decorrente foi firmada em 17/05/2007, com vencimento em 28/12/2007.[21]

Seguiram-se então a emissão de diversas outras notas de negociação até 08/07/2008.[22]

As cláusulas 8 e 10,[23] objeto de uma das irresignações da Empresa no processo judicial referido, por serem abusivas e exorbitantes – como adiante também se demonstrará - somente passaram a ser inseridas nas notas de negociação em fevereiro de 2008, portanto, dez meses depois de firmado o ajuste das condições gerais e depois da emissão de várias outras notas de negociação anteriores, representativas de outras tantas operações entre as partes, as quais não continham as abusivas e despropositadas cláusulas referidas.

2.2.1 – As Tratativas entre o Banco e a Empresa

Segundo relato da Empresa ao signatário deste Parecer, os contatos do Banco com a Empresa eram por telefone, e em cada operação contratada não havia negociação prévia, pois o Banco fazia a oferta da operação e apenas informava, por telefone, o valor que poderia ser contratado, a taxa do dólar do dia da operação e a taxa estipulada para o final da operação.

O produto, assim, era ofertado por telefone com o Banco sempre ressaltando o ganho da Empresa sem nunca enfatizar o risco de perda.

Após o contato telefônico era remetido e-mail à Empresa informando os dados da operação: valor negociado, data da negociação, data de vencimento, taxa de início e taxa futura de cada parcela, quando também era remetida a nota de negociação para que fosse assinada pela Empresa.

Em nenhum momento o Banco esclarecia ou chamava atenção da Empresa para a não-limitação de ganhos para o Banco, embora sempre muito enfatizasse o ganho da Empresa com o argumento de que o dólar continuaria perdendo valor e que esse fenômeno era uma tendência garantida por economistas.

Dir-se-á que essas afirmações da Empresa são unilaterais, que nada provam e não podem ser levadas em consideração, especialmente em juízo, particularmente porque é certo que as próprias cláusulas gerais do ajuste – certamente buscando caracterizar o contrato como paritário e jamais como de adesão – é pródigo em fazer referências a tratativas e entendimentos prévios.

Entretanto, são essas próprias cláusulas gerais que estabelecem que as supostas tratativas e entendimentos prévios seriam gravados em fita magnética pelo Banco.[24]

Assim, por certo não há nenhuma dificuldade para o Banco demonstrar ao ínclito juízo do processo o fato de que ditas tratativas e entendimentos teriam efetivamente ocorrido como sustenta o Banco, e que, tendo ocorrido, sucederam-se em condições de paridade e não de pura e simples adesão.

Ocorre que até o instante processual em que a Empresa consultou o signatário,[25] o Banco em nenhum momento havia trazido tal prova aos autos, a despeito do teor e dos termos da inicial da ação e da réplica respectiva, em que a Empresa sustenta que se trata de contrato de adesão, o que aponta de imediato e de forma inarredável para o absoluto interesse do Banco em fazer referida prova.

Em tais circunstâncias, das duas uma: ou o Banco não cumpriu o que ele próprio unilateralmente inseriu no contrato, e portanto não gravou as supostas tratativas e entendimentos, ou, se cumpriu o quanto inseriu no contrato, e efetivamente fez as gravações, o conteúdo respectivo prova contra ele, Banco, pois, do contrário, é certo que tais gravações, de há muito já teriam sido trazidas aos autos.

Portanto, não há dúvida de que o ajuste entre as partes é de adesão, como adiante será demonstrado.

2.2.2 – As Notas de Negociação Emitidas e suas Circunstâncias

As notas de negociação emitidas e constantes dos autos[26] podem ser assim relacionadas, tendo em conta a data de emissão, de vencimento, o valor respectivo e a inserção ou não das cláusulas abusivas de limitação de responsabilidade apenas em benefício do Banco e extinção das obrigações subseqüentes também apenas e somente para o Banco:

Emissão

Vencimento

Valor US$

Cláusula Abusiva

17/05/2007

28/12/2007

1.500.000,00

Não

26/06/2007

30/11/2007

500.000,00

Não

27/06/2007

31/10/2007

500.000,00

Não

16/08/2007

16/11/2007

1.000.000,00

Não

14/12/2007

15/04/2008

500.000,00

Não

17/12/2007

15/04/2008

500.000,00

Não

20/12/2007

15/04/2008

500.000,00

Não

21/01/2008

30/04/2008

500.000,00

Não

28/01/2008

15/05/2008

500.000,00

Não

29/01/2008

28/05/2008

500.000,00

Não

22/02/2008

30/06/2008

1.500.000,00

Não

26/02/2008

Diversos

6x800.000,00

Sim

17/03/2008

15/09/2008

1.000.000,00

Não

06/05/2008

Diversos

8x900.000,00

Sim

05/06/2008

Diversos

8x650.000,00

Sim

08/07/2008

Diversos

8x900.000,00

Sim

08/08/2008

Diversos

8x1.000.000,00

Sim

A última nota de negociação inserida na tabela acima é a que deflagrou e tornou operante concretamente não só a abusividade, mas também o prejuízo exasperante da ora Consulente, tendo como contrapartida a vantagem exagerada, injustificável e extraordinária para o Banco, o que ensejou o ajuizamento da ação judicial respectiva, basicamente por dois fundamentos: a abusividade e exorbitância das cláusulas antes referidas e a onerosidade excessiva por fato superveniente, extraordinário e imprevisível, consistente na desvalorização abrupta e violenta do real frente ao dólar, caracterizando fato superveniente, extraordinário e imprevisível, causador de onerosidade excessiva para a Empresa.

Note-se que houve uma série contínua de operações entre as partes, que se prolongou desde maio de 2007 até fevereiro de 2008, em que se observou um único procedimento, sem qualquer limitação da responsabilidade do Banco pela variação por ele devida à Empresa, isto é, sem que fossem inseridas nas notas de negociação as disposições, abusivas e exorbitantes, constantes das cláusulas 8 e 10, de limitação da responsabilidade somente para o Banco e previsão de cancelamento automático das operações subseqüentes também somente a favor do Banco.

Havia, portanto, antes da inserção das cláusulas abusivas, uma prática negocial entre as partes que se manteve e se sedimentou por dez meses, quando, abruptamente, o Banco passou a inserir as referidas cláusulas abusivas e exorbitantes nas notas de negociação.

E passou a fazê-lo precisamente nos casos em que os valores negociados passaram a ser os mais elevados e a partir do momento em que tomou conhecimento, por informações privilegiadas de sua matriz nos Estados Unidos, a respeito da crise financeira mundial e dos efeitos que dela adviriam.[27]

Na verdade, foram os próprios agentes e protagonistas do sistema financeiro - fundamentalmente instituições financeiras como o Citibank - que, com sua conduta e modo de proceder, criaram a crise e depois trataram de repassar os próprios prejuízos aos clientes e usuários, os quais não são agentes nem protagonistas do mercado financeiro que, como se sabe, é altamente especializado e de domínio apenas dos iniciados.[28]

A crise financeira manifestou-se em agosto de 2008, como admite o próprio Banco em fls. 64, item 19, dos autos do processo judicial a que se refere este Parecer.

Em 24/11/2008 foi anunciada uma injeção de recursos pelo Governo dos EUA para salvar o Citigroup,[29] segundo maior Banco daquele País, e matriz do Banco que a ora Consulente demanda em juízo.

E o repasse do prejuízo é feito pelas instituições financeiras aos seus clientes, por meio de contratos de adesão inflados por cláusulas abusivas, tanto que, como já referido, a partir do momento em que o Citibank foi verdadeiramente afetado pela crise – ele não só recebeu ajuda do Governo americano, como também e principalmente tratou de repassar aos clientes o ônus e os efeitos da crise, incluindo, à socapa, nas notas de negociação, as cláusulas abusivas nºs. 8 e 10, pelas quais apenas a responsabilidade do Banco fica limitada, com extinção, também apenas para o Banco, das obrigações subseqüentes, enquanto que a responsabilidade da Empresa passa a ser total e integral, sem qualquer limitação de valor, e sem qualquer previsão de extinção das obrigações subseqüentes, ao contrário do que é disposto pelo Banco e para o próprio Banco.

É sintomática a declaração do presidente-executivo do Citibank, Chuck Prince, sobre a bolha decorrente das práticas do mercado financeiro – empréstimos ‘Ninja’ e swaps – relatada por George SOROS, segundo o qual, aquele executivo do Banco teria “... declarado que ‘quando a música parar, as coisas ficarão complicadas em termos de liquidez. Mas enquanto a música estiver tocando, é preciso levantar e dançar. Nós continuamos dançando.’”[30]

Isso demonstra que, enquanto o sistema suportou a fictícia situação, as instituições financeiras como o Citibank continuaram temerariamente na mesma prática. Mas, quando ‘a música parou’, essas mesmas instituições trataram de repassar aos clientes as conseqüências e prejuízos da crise engendrada por elas próprias: instituições financeiras componentes e operadoras do sistema financeiro.

Além disso, o prejuízo da crise criada pelos próprios agentes do sistema é repassado pelos governos, aos seus respectivos súditos-cidadãos, por meio de socorro ao caixa das instituições financeiras com dinheiro do erário público retirado dos tributos pagos pelos contribuintes,[31] cidadãos e empresas como a ora Consulente.

É evidente, portanto, a assimetria das informações detidas pelos contratantes, assim como também é manifesta e gritante a diferença de capacidade entre eles – Banco e Empresa - no domínio das intrincadas técnicas que permeiam o mercado financeiro, restando patente a inferioridade técnica, financeira e econômica da Empresa em relação ao Banco, tudo aliado ao fato de que o ajuste entre as partes trata-se de um contrato de adesão, como adiante se verá.

A isso se soma o fato notório e inegável de que o sistema financeiro brasileiro é concentrado, situação cada vez mais agravada pelas grandes fusões de grandes instituições,[32] formando uma espécie de oligopólio cartelizado, em que não há efetivamente um mercado em condições de concorrência, tudo somado ao déficit de controle e fiscalização das fusões por falta de estrutura do sistema fiscalizador.[33]

Esse contexto apenas reforça e demonstra a imensa e abissal diferença de capacidade técnica, econômica e financeira que existe entre a Empresa consulente e o Banco.

A Empresa não é instituição do sistema financeiro. É apenas uma fabricante de calçados de nacionalidade brasileira. Seu objeto social e atividade é fabricar calçados. Exportar para o exterior os produtos que fabrica é apenas uma das operações que pratica, além da industrialização e da venda no mercado interno.

Atuar no mercado financeiro não é sua atividade, campo em relação ao qual a Empresa não tem qualquer domínio especializado, como transparece intuitivo e evidente em razão de seu ramo de atividade.

Todavia, atuar no mercado financeiro é a atividade precípua do Banco, sobre a qual ele tem amplo domínio, técnico, jurídico e empresarial, não só no Brasil, mas também no exterior, pois é o segundo maior banco dos Estados Unidos.[34]

Portanto, não há falar em igualdade das partes no momento da contratação, sendo relevante lembrar que o ajuste pactuado entre as partes trata-se de contrato de adesão, como adiante se verá.

2.3 - Mercado, Isonomia, Sobrevivência e Segurança

A valorização do real frente ao dólar norte-americano em razão da conduta do Banco Central do Brasil, combinada com a criação e o estímulo, por parte do mesmo Banco Central, para que fossem realizadas operações de swap,[35] constituiu a ambiência que levou os exportadores a protegerem-se das perdas de receita que teriam com a desvalorização do dólar frente ao real.

E o fizeram precisamente pela modalidade do swap, criada e estimulada, como dito, pelo Banco Central, mediante a contratação desses derivativos, como forma de segurança para suas futuras receitas (hedge).

Assim, a questão de contratar operações de swap era não só uma questão de sobrevivência no mercado, mas também um modo de manter a necessária situação de isonomia com as demais empresas concorrentes, no caso da Consulente, das concorrentes do ramo calçadista que praticavam o mesmo tipo de operação, sendo certo que, num mercado altamente concorrencial, qualquer diferença ou perda de receita ou de lucratividade é fatal para a vida e sobrevivência da empresa.

Portanto, a contratação ora em discussão não era uma opção pura e simples da Consulente.

Não era uma simples questão de optar – como fazem os especialistas e, particularmente, as instituições financeiras - por lançar-se irresponsavelmente na jogatina da especulação de um mercado altamente especializado, como o mercado financeiro, cujo domínio pertence apenas aos iniciados, e em relação ao qual a Empresa, ora consulente, não tem e não domina o know how respectivo, pois seu objeto social e sua atividade industrial são – e sempre foram – a fabricação e o comércio de calçados.

Portanto, para a Empresa consulente, a questão de ajustar contratos de swap, era, antes de tudo, uma questão de necessidade e sobrevivência,[36] para manter a isonomia com os concorrentes e assim permanecer no mercado, mantendo os empregos que gera e pagando os tributos devidos, tão necessários para que o Estado brasileiro cumpra sua função social, atenda as políticas públicas, realizando, enfim, o bem comum e possa até mesmo, em circunstâncias de crise, socorrer com tais recursos do Tesouro, oriundos de contribuintes como a Consulente, instituições financeiras como o Banco que ora está sendo demandado em juízo.

Assim, não se diga que a Empresa atuou especulativamente porque não havia fluxo em dólar nas datas estipuladas nas notas de negociação, e nem se afirme que as perdas com o eventual cumprimento dos contratos em causa seriam compensadas com o ganho que a Empresa teria em decorrência da valorização do dólar frente ao real em conseqüência da crise.

A lógica do próprio contexto nacional e internacional, tanto anterior como subseqüente à crise, desmente semelhantes alegações.

Primeiro, porque não era essa a prática criada e estimulada pelo próprio Banco Central e pelo mercado, como já se referiu, pois as empresas “... estavam compensando perdas operacionais com receitas financeiras, sendo favorecidas por um ambiente favorável evidenciado no mercado doméstico, além de contar com sinalizações da equipe econômica do governo de que não haveria uma forte depreciação da moeda. Este argumento pode ser comprovado a partir das previsões de câmbio do BC, das declarações do Ministro da Fazenda e dos discursos calorosos do presidente Lula. Mesmo sabendo da enorme exposição cambial a que estavam sujeitas, as empresas não esperavam, diferentemente de 1999, que a cotação fosse ultrapassar o target (alvo).”[37]

Segundo, a Empresa, para se resguardar de perdas futuras, não poderia ficar esperando a contratação de exportações para somente depois contratar o swap quando todas as demais empresas exportadoras – do ramo da Consulente e de outros ramos – praticavam a mesma operação para se resguardarem de perdas futuras. Como dito, tal conduta era uma questão de necessidade e sobrevivência, para manter-se na condição de isonomia e de permanência no mercado.

Terceiro, as perdas com o cumprimento do contrato somente poderiam ser recuperadas se as exportações futuras se realizassem. Ora, com a própria crise mundial, as exportações futuras deixaram de ser contratadas, sendo que o faturamento da Consulente, de outubro de 2008 a janeiro de 2009, somente foi aceitável porque decorria de operações contratadas anteriormente.[38]

Esse contexto demonstra o evidente e exagerado desequilibro contratual, com imenso prejuízo para a Empresa e com exacerbada vantagem para o Banco, tudo agravado pela não-limitação da responsabilidade da empresa tendo como contrapartida a limitação da responsabilidade do Banco, prevista nas cláusulas nºs. 8 e 10, introduzidas à socapa nas notas de negociação.

O contexto demonstrado neste e nos itens precedentes, evidencia claramente que a Consulente não tinha outra opção senão contratar as operações swap como faziam todas as empresas exportadoras, e que, em razão dessa contratação, adveio para a empresa um extraordinário e imprevisível prejuízo, com exagerada e injustificável vantagem para o Banco, tema que adiante será analisado.

Em tais circunstâncias, assim como não havia opção para a Empresa no sentido de não contratar as operações de swap, também não havia outra solução a não ser o ajuizamento da ação contra o Banco, em face dos termos do contrato e da onerosidade excessiva por fato superveniente e imprevisível, como adiante será examinado.

2.4 – O Contrato entre as Partes é de Adesão

Inicialmente é necessário ter presente, desde logo, que o contrato de adesão não se confunde com o contrato de consumo.[39]

Portanto, não é somente no âmbito das relações e do mercado de consumo que existe e é praticado o chamado contrato de adesão, o qual é utilizado também em outros mercados, como especialmente o financeiro, em circunstâncias nas quais incide o Código Civil e às quais não se aplica o Código de Defesa do Consumidor.

A doutrina tem advertido que não é somente o modo de consentir que define o contrato como sendo de adesão, sendo certo que apenas dito modo de consentir não é suficiente para caracterizar o instituto, o qual depende, para sua definição, de outras peculiaridades que são indispensáveis para a sua caracterização. Tais notas características são a uniformidade e a abstratividade das cláusulas, as quais são pré-constituídas e formuladas unilateralmente por apenas uma das partes.[40]

No caso ora em análise, o contrato é de adesão porque, além de existirem as cláusulas gerais já referidas, complementadas posteriormente com operações pactuadas individualizadamente, a realidade é que todo o ajuste – inclusive as notas de negociação individuais - é redigido prévia e unilateralmente pelo Banco, com cláusulas uniformes e abstratas, segundo modelo previamente submetido à aprovação do Banco Central do Brasil, como logo a seguir se verá.

Ademais, desimporta que tenha havido eventuais contatos prévios para aceitação ou não do contrato e das respectivas notas de negociação. O relevante é que, com relação às cláusulas respectivas, de todos os ajustes, não houve qualquer interferência da Empresa que, apenas, ou aceitava e contratava ou, então, não aceitava e não haveria possibilidade de qualquer contratação, circunstância que a sujeitaria à variação cambial em relação à qual pretendeu proteger-se porque todos os demais exportadores também o faziam, em decorrência de uma ambiência criada e estimulada pelo próprio Banco Central do Brasil, como antes se acentuou.

Assim, como já referido, a questão de contratar operações de swap era não só uma questão de sobrevivência no mercado, como também um modo de manter-se na necessária situação de isonomia com as empresas concorrentes do ramo calçadista.

Eventuais tratativas, não só aquelas relativas a cada nota de negociação, mas até mesmo contatos prévios à assinatura das cláusulas gerais, não desfiguram o contrato como sendo de adesão.[41]

Além disso, o fato de a iniciativa da proposta ser do Banco ou da Empresa também não descaracteriza o pacto como de adesão.[42]

Como tem acentuado a doutrina, o “... ‘contrato de adesão’ é uma categoria jurídica própria, mesmo classe de contrato, o qual, como tal, não se restringe apenas às relações contratuais de consumo, mas vai abarcar mesmo as relações contratuais comuns, funcionando como um instrumento de proteção à parte hipossuficiente, independentemente de se tratar de consumidor ou não, independentemente de estar ou não configurada a relação de consumo.”[43]

Como já referido, o Banco ofertou os negócios e a Empresa os aceitou como modo de segurar suas receitas, de igualar sua situação com as demais empresas e para sobreviver no mercado.

Ademais, a própria regulamentação do Banco Central demonstra fora de dúvida que o ajuste entre as partes trata-se de um contrato de adesão.

Com efeito.

A Resolução nº 2.873, de 26/07/2001, do Banco Central do Brasil, em seu art. 1º,[44] autorizou os bancos múltiplos, bancos comerciais e bancos de investimento, entre outras instituições, a realizar operações de swap no mercado de balcão.

No art. 3º,[45] a mesma Resolução manda aplicar às referidas instituições o disposto nos itens I, II e VII da Resolução nº 1.645, de 06/10/1989.

Além disso, referida Resolução nº 2.873, alterou o item I da Resolução nº 1.190, de 17/09/1986, determinando a prévia aprovação pelo Banco Central do Brasil dos modelos de contratos admitidos à negociação em sistemas de negociação de ativos. A Resolução nº 1.190, por sua vez, originalmente, tratava apenas dos modelos de contratos admitidos à negociação em bolsas de mercadorias e de futuros e foi alterada precisamente para incluir os contratos admitidos à negociação em sistemas de negociação de ativos.[46]

Assim, ainda que os modelos possam ser oferecidos pelas instituições financeiras, para aprovação tácita ou expressa do Banco Central, o fato inegável e inarredável é que são contratos regulados pelo Poder Público, elaborados segundo modelos previamente estabelecidos unilateralmente pelo credor e aprovados pelo Poder Público, contendo cláusulas uniformes e abstratas.

Portanto, os contratos de swap estão sujeitos à padronização institucionalizada como os contratos admitidos à negociação em bolsas de mercadorias e de futuros, por força dos próprios normativos do Banco Central do Brasil, acima referidos.

Aliás, é importante observar que tanto assim é que o item 1.1 da cláusula I das condições gerais do contrato ora em análise é praticamente cópia do caput do art. 1º da Resolução nº 2.873, de 26/07/2001, tal a semelhança entre as duas redações.[47]

Portanto, não há dúvida de que os ajustes em exame, tanto as condições gerais como as notas de negociação, são contratos de adesão, tanto que as cláusulas nºs. 8 e 10 das notas de negociação nada mais são do que o produto do poder contratual de que desfruta a parte mais forte na relação jurídica, como a seguir se verá.

2.5 – As Cláusulas Abusivas

As já referidas cláusulas nºs. 8 e 10 das notas de negociação são abusivas e violam a boa-fé, a isonomia entre as partes e o equilíbrio contratual, o que redunda também em violação da função social do contrato.

Aludidas cláusulas estão assim redigidas, verbis:

“8. VALOR MÁXIMO DE LIQUIDAÇÃO POSITIVA PARA O CLIENTE: R$ 100.000,00”

“10. CONDIÇÕES DE LIQUIDAÇÃO:

As partes concordam que apesar do registro em separado conforme disposto na cláusula 4 acima, as OPERAÇÕES em conjunto representam uma estrutura de objetivo econômico-financeiro único, sendo que tal estrutura permanecerá vigente até a última Data de Vencimento prevista na Tabela Anexa I ou até que o CLIENTE receba em decorrência das liquidações e ajustes financeiro favoráveis ao CLIENTE o montante agregado máximo correspondente ao VALOR MÁXIMO DE LIQUIDAÇÃO POSITIVA PARA O CLIENTE indicado na cláusula 8, apurado de forma cumulativa em todas as Datas de Vencimento. (...)

10.3. No momento em que o VALOR MÁXIMO DE LIQUIDAÇÃO POSITIVA PARA O CLIENTE for atingido, as partes concordam que as OPERAÇÕES subseqüentes, com Datas de Liquidação em aberto, serão automaticamente extintas, sendo que o CLIENTE, desde já autoriza o CITIBANK a tomar todas as medidas necessárias junto à CETIP para o cancelamento ou reversão do registro das mesmas em seus sistemas, dentre outras medidas que sejam necessárias.

10.4. No caso de ajustes desfavoráveis ao cliente, ou seja, que gerem débitos ao cliente, o CLIENTE desde já concorda que os mesmos não estão sujeitos às limitações ora previstas, sendo os mesmos devidos pelo CLIENTE ao CITIBANK, nos termos da cláusula 9 acima.”

Observa-se pelo próprio conteúdo dos dispositivos contratuais transcritos, que se trata de contrato de adesão e de cláusulas redigidas unilateralmente pelo credor em seu próprio benefício.

Tal é intuitivo até mesmo nos detalhes mais simples, mas por isso mesmo os mais importantes.

Veja-se que o destaque é dado, em letras maiúsculas, para o valor máximo de liquidação para o cliente, isto é, a parte benéfica para a Empresa.

Entretanto, quando se trata de regular a parte mais benéfica para o Banco e prejudicial para a Empresa, o destaque na redação clausular é nenhum, pois, como se observa pela redação do item 10.4, o único destaque que aí é dado é apenas à palavra ‘CLIENTE’, mas não assim às expressões que indicam ‘ajustes desfavoráveis’ à Empresa e muito menos à disposição contratual que estabelece que a Empresa desde logo concorda que esses ajustes, a ela desfavoráveis, não estão sujeitos a qualquer limitação de valor, ao consignar-se no pacto a expressão ‘desde já concorda que os mesmos não estão sujeitos às limitações ora previstas’ sem qualquer realce ou destaque.

Além disso, referidas cláusulas prevêem a extinção das obrigações subseqüentes apenas para o Banco, não havendo o mesmo tratamento com relação à Empresa.

Esse contexto demonstra a má-fé do Banco, circunstância que, somada ao fato antes referido, de que o Citibank tinha informações privilegiadas da matriz americana – tanto que mudou o procedimento precisamente quando a crise o atingiu[48] – escancara a má-fé de forma clara como a luz solar.

As aludidas cláusulas violam a igualdade material que deve existir entre os contratantes, que se traduz no equilíbrio e na justiça do contrato, especialmente diante da realidade contratual antes retratada e da ambiência e do contexto econômico, financeiro e jurídico então vigente, pois, como acentua BELIN, “Para tal eqüidade ser atingida, considera-se a realidade contratual, analisando-se o perfil concreto de cada contratante, as forças econômicas em jogo, desprezando-se a fórmula abstrata de liberdade contratual moderna. Em suma, somente mediante o equilíbrio das forças contratantes alcança-se a verdadeira equivalência de direitos e deveres.”[49]

A questão mais se agrava porque se está no âmbito de um contrato de adesão, pois, a doutrina tem afirmado, com propriedade, que “Contratos de adesão e cláusulas abusivas são, portanto, realidades essencialmente interligadas. Onde se encontraram contratos de adesão, tenderão a estar cláusulas abusivas.”[50]

Em tal contexto, há flagrante violação do princípio da função social do contrato, pois como acentua KHOURI “Tal função do contrato é indissociável da idéia de equilíbrio, que é o fundamento do regime geral da mesma forma que a função social também está presente em toda intervenção do Estado no domínio dos contratos.”[51]

Tratando-se, como já referido, de contrato de adesão, não há dúvida de que o Banco estava e está na posse do poder contratual, podendo utilizar-se do ajuste para diminuir seus riscos e aumentar seus lucros, impondo à Empresa as já referidas cláusulas nºs. 8 e 10 das notas de negociação, como parte do arsenal de expedientes que a parte, mais forte na relação, sempre tem a sua disposição.[52]

Em tais circunstâncias, o Banco, como parte mais forte na relação, determinou a feição do contrato dentro do jogo de poder próprio das circunstâncias, restando à Empresa, parte mais fraca, em razão da já referida necessidade de sobrevivência e de manter-se no mercado em condições de igualdade com suas concorrentes, a única alternativa que era a de aceitar a situação aderindo aos ajustes que lhe foram impostos.[53]

Assim, as cláusulas nºs. 8 e 10 das notas de negociação, por se tratarem de cláusulas impostas em contrato de adesão e por romperem abertamente o equilíbrio do contrato, a igualdade das partes e a justiça contratual, que devem sempre permear o ajuste, são abusivas e exorbitantes, devendo ser reconhecidas como nulas de pleno direito.

2.6 – Os Ajustes Celebrados pelas Partes e a Onerosidade Excessiva

Anteriormente já se assentou que os ajustes celebrados, entre o Banco e a Empresa, são de adesão.

O Banco sustenta que são contratos aleatórios e por isso não estão sujeitos à revisão.

Entretanto, ao contrário do que argumenta o Banco, o fato de tratar-se de contrato aleatório não impede a revisão por onerosidade excessiva, como se verá.

A seguir passa-se ao exame dos temas referidos. Primeiro, analisa-se a possibilidade de revisão dos contratos aleatórios e, depois, examina-se a temática da revisão por onerosidade excessiva.

2.6.1 – Os Contratos Aleatórios e a Onerosidade Excessiva

O contrato constante dos autos, mesmo sendo de adesão, é um contrato que pode caracterizar-se como aleatório.

O Banco sustenta que o contrato celebrado com a Empresa é aleatório e que por isso não está sujeito à revisão por onerosidade excessiva, em face do risco assumido pelas partes.

A questão, entretanto, se bem examinada a realidade contratual, é bem mais complexa do que poderia deixar transparecer essa simples alegação do Banco.

Na verdade, na medida em que o Banco sustenta que as cláusulas nºs. 8 e 10 das notas de negociação não são abusivas e exorbitantes, ele está implicitamente admitindo a limitação de sua responsabilidade e tornando certa a sua prestação e o seu risco, tornando assim evidente, portanto, que, para o Banco, o contrato sequer poderia ser caracterizado como aleatório, o sendo apenas para a Empresa e, nesse ponto, sobressai a já referida má-fé da instituição financeira e fica demonstrada a violação da isonomia entre as partes, a infração ao princípio do equilíbrio material do contrato, violentando-se conseqüentemente a justiça contratual.

Ora, como acentua com propriedade SILVA, “O contrato aleatório deve-o ser para ambos os lados. Não se pode fazer vigorar esta noção quando há uma certeza acerca da álea que conduzirá inevitavelmente para um lado. Ou seja, quando o caráter aleatório mascare uma certeza de contrato lesivo, como já dito anteriormente acerca da lesão enorme.”[54]

As cláusulas referidas são abusivas e exorbitantes e devem ser anuladas pelas razões já antes expostas e também porque não pode ser risco próprio de nenhuma contratação, nem mesmo das aleatórias, o agravamento substancial do equilíbrio contratual, que submete uma das partes ao inteiro poder da outra.

E isto porque, como antes já acentuado, há violação aberta do princípio da boa-fé em razão de a conduta do Banco revelar-se contrária ao Direito, infringindo frontalmente o art. 422 do Código Civil, quando, em contrato de adesão, ao cuidar do interesse da Empresa contratante, impõe a esta um agravamento da prestação, agravamento esse que o Banco, formulador unilateral das cláusulas, não aplica a si próprio, pois impõe responsabilidade ilimitada à Empresa e limita demasiadamente a sua própria responsabilidade, prevendo inclusive a extinção das obrigações apenas a seu favor, fato notório especialmente quando tais disposições, favoráveis apenas ao Banco, são comparadas com a responsabilidade ilimitada atribuída à Empresa.[55]

Com efeito, essa realidade salta aos olhos quando se observa e examina a operação que deu origem à irresignação da Empresa.

A ‘Tabela Anexa I’ de fl. 27 dos autos, retrata a operação ajustada em 08/08/2008, com vencimento em 07/10/2008, com dólar fixado para 06/10/2008, com paridade futura de R$ 1,6700. Como o dólar na data futura de 06/10/2008, atingiu R$ 2,1769, em face da repentina, extraordinária e imprevisível valorização frente ao real, o valor que passou a ser devido pela Empresa acendeu a significativos R$ 506.900,00. Entretanto, se a situação fosse inversa, em que o Banco devesse pagar o valor respectivo à Empresa, ele apenas teria que pagar R$ 100.000,00, por força das cláusulas nºs. 8 e 10, sendo que se extinguiriam todas as demais obrigações do Banco com relação às seis operações subseqüentes previstas na referida Tabela Anexa I, tudo em decorrência da abusividade e exorbitância das aludidas cláusulas incluídas unilateralmente no contrato.

A despeito do acima exposto, de que o contrato não seria aleatório para o Banco, admite-se que os ajustes entre as partes são aleatórios. Entretanto, como se verá, mesmo os contratos aleatórios estão sujeitos à revisão por onerosidade excessiva.

É verdade que parte da doutrina entende que nos contratos aleatórios não é possível a revisão por onerosidade excessiva decorrente de fato extraordinário e imprevisível, como o que ocorreu com a valorização do dólar frente ao real em decorrência da crise mundial.

Entretanto, a doutrina mais moderna e mais avançada, mais condizente e de acordo com os princípios constitucionais e contratuais contemporâneos, já referidos ao longo deste estudo, aponta justificadamente para a possibilidade e necessidade de revisão também dos contratos aleatórios.

E isto porque, se o acontecimento extraordinário e imprevisível, que autoriza normalmente a revisão, não estiver coberto pelo risco da contratação, não resta dúvida de que a revisão deve ser admitida, mesmo nos contratos aleatórios, sempre como modo de manter o equilíbrio material do contrato, a isonomia entre as partes e a justiça do ajuste.

Com efeito, a melhor doutrina tem acentuado com inteira razão que

“Conforme reconhece hoje a doutrina, é plenamente possível a aplicação do instituto (da revisão por onerosidade excessiva) aos contratos aleatórios. Isso implica reconhecer que existem nos contratos aleatórios riscos das partes que não lhe são próprios. Há, portanto, limites também nos contratos aleatórios quanto aos riscos assumidos pelas partes. É certo que, na contratação aleatória, os riscos de qualquer um dos contratantes são naturalmente elevados, tanto do contratante que sujeita o recebimento de sua contraprestação a um evento futuro e incerto, como do contratante que poderá ter de efetivá-la no futuro. Entretanto, da mesma forma que ocorre com qualquer contrato, há um limite para a assunção desses riscos também nos contratos aleatórios. Há limites para o risco das partes exatamente porque o contrato aleatório, na sua celebração, também supõe um equilíbrio, revelado na prestação e contraprestação originariamente contratadas. Simples oscilações para mais ou para menos nesse risco, como visto anteriormente, não têm nenhuma relevância jurídica e, portanto, não afetam o equilíbrio contratual. Contudo, não apenas um fato superveniente, mas também um fato superveniente extraordinário, pode romper de forma substancial esse equilíbrio e, assim, romper também o limite do risco próprio dessa contratação. Nesse momento, o fato extraordinário estará trazendo consigo uma excessiva onerosidade para a contratação aleatória. É que, ao romper esse equilíbrio, a execução do contrato deixa de ser simplesmente mais onerosa para tornar-se excessivamente onerosa. Essa onerosidade excessiva estará para além do risco próprio ou álea do contrato. Aqui, então, faz-se necessário o resgate do equilíbrio contratual perdido com o recurso ao regime geral da onerosidade excessiva superveniente, seja para resolver o vínculo contratual, seja para modificá-lo.[56]

Portanto, o fato de o contrato ser aleatório, não impede a revisão por onerosidade excessiva, como é o caso em análise, como a seguir se verá.

2.6.2 – A Revisão dos Ajustes entre as Partes por Onerosidade Excessiva

Assim, mesmo sendo aleatório o ajuste entre as partes, havendo onerosidade excessiva, pode haver a revisão do pacto.

Em novembro de 2008, especialistas e estudiosos da economia e do mercado financeiro, afirmaram os imensos e inesperados prejuízos das empresas brasileiras exportadoras, acentuando que “Nas últimas cinco semanas os efeitos da crise financeira internacional atingiram em cheio a economia brasileira. No final de agosto o dólar ainda era cotado em torno de R$1,60. Acabou fechando no dia 18/10/2008 em torno de R$2,30. Uma desvalorização de mais 30% em pouco mais de quarenta dias. Conseqüência do ‘câmbio flutuante que flutua’, diriam alguns. No entanto, ao contrário do que pensam os paladinos do regime de flutuação cambial, essa rápida e desordenada desvalorização do câmbio provocou efeitos desestabilizadores sobre a economia brasileira. Diversas empresas do setor produtivo, principalmente as empresas exportadoras, amargaram prejuízos bastante significativos com a desvalorização do real.”[57]

Observe-se que as empresas, já desde muito tempo, em face da apreciação cambial, como antes já referido neste estudo, foram obrigadas a fazer contratos de swap para sobreviverem, manterem-se no mercado, conservarem os empregos e poderem pagar seus impostos, tudo aliado fato de que até mesmo as mais altas autoridades monetárias e governamentais brasileiras sempre sinalizaram no sentido de que não haveria uma forte depreciação da moeda.[58]

Esse contexto demonstra que a contratação swap pelas empresas exportadoras era uma necessidade de sobrevivência e que havia uma ambiência de confiança em que ninguém poderia supor, em situação normal, que ocorreria uma alta desvalorização do real frente ao dólar, o que caracteriza o fenômeno ocorrido, como inesperado, extraordinário e imprevisível.

Assim, não há dúvida que a contratação de swap era uma necessidade evidente para a sobrevivência da Empresa consulente.

E era também evidente que uma violenta desvalorização do real frente ao dólar não era nem de longe esperada ou previsível por parte da Empresa ora consulente.

Além disso, como antes acentuado, se o acontecimento extraordinário e imprevisível não estiver coberto pelo risco da contratação, a revisão por onerosidade excessiva é impositiva.

E não há dúvida de que a repentina e inesperada desvalorização cambial não estava coberta pelo risco contratual, seja em razão das abusivas cláusulas 8 e 10 das notas de negociação, seja em razão mesmo da própria álea normal do ajuste, em razão da realidade e da ambiência que estão existia e que era sustentada pelo mercado e principalmente pelas mais altas autoridades monetárias e governamentais, como antes aludido.

Nesse contexto, a desvalorização cambial é um fato superveniente, extraordinário e imprevisível que não está coberto pelo risco contratual.

A doutrina mais moderna e mais condizente com os princípios constitucionais e contratuais é pródiga em exemplos que demonstram e densificam essa realidade, demonstrando que um fato determinado pode constituir-se ou não como extraordinário e imprevisível dependendo das circunstâncias em que o contrato é celebrado e do contexto em que ocorre a sua execução. O exame de cada situação concreta vai demonstrar, mesmo no âmbito dos contratos aleatórios, se o fato ocorrido está ou não coberto pelo risco próprio do ajuste.

Assim, em idênticos contratos de compra e venda a prazo, sobre o mesmo objeto, pode ocorrer que, em um caso, determinado fato seja extraordinário e imprevisível e fora do risco próprio do contrato, e, no outro caso, o mesmo fato pode não ser extraordinário nem imprevisível e pode fazer parte do risco do contrato. Essas seriam as hipóteses em que o primeiro contrato fosse celebrado antes de uma guerra e o segundo contrato fosse celebrado durante a guerra. Na primeira situação, a guerra, influindo no equilíbrio contratual, será fato considerado extraordinário e imprevisível não coberto pelo risco contratual, e, na segunda hipótese, a guerra sequer pode ser considerada fato superveniente e a repercussão no equilíbrio do contrato está dentro do risco respectivo.[59]

Outro exemplo trazido pela doutrina é o caso de um contrato aleatório de plano de saúde para cobrir as despesas com tratamento de saúde de milhares de empregados de uma grande empresa, para viger por um longo período, celebrado em época em que não há nenhuma epidemia de qualquer doença, caso em que o valor da prestação é contratado tendo em vista essa realidade, que não envolve qualquer gasto com uma possível epidemia. Essa situação pode ser comparada com a de um segundo contrato celebrado em momento e ambiente em que há uma grande epidemia de dengue, em que o tratamento seria por demais oneroso, caso em que o valor da prestação no momento da contratação vai refletir esses altos gastos.

Em tais circunstâncias, no primeiro caso, o contrato pode tornar-se extremamente oneroso para a empresa fornecedora do plano de saúde, na hipótese de vir a ocorrer, após algum tempo de vigência do contrato, uma epidemia de dengue que, repentinamente, atinge a maioria dos funcionários da empresa.

No segundo caso, o contrato pode tornar-se extremamente oneroso para a empresa contratante na hipótese de vir a ser descoberta uma vacina preventiva da dengue, que faz cessar a ocorrência da doença, em cuja fase de epidemia o contrato foi celebrado.

Em ambas essas situações o contrato, mesmo de natureza aleatória, poderá vir a tornar-se extremamente oneroso para uma das partes – para a administradora do plano de saúde ou para a empresa contratante, conforme o caso – em decorrência de fato superveniente (ocorrência da epidemia e descoberta da vacina, respectivamente), extraordinário e imprevisível, que está absolutamente fora do risco próprio coberto pelo contrato aleatório e que torna tal ajuste excessivamente oneroso, possibilitando a revisão por iniciativa da parte prejudicada.[60]

Ora, o contrato de swap ora em análise, como contrato de adesão e aleatório, é em tudo semelhante às situações exemplificadas, não havendo dúvida de que restou configurada a onerosidade excessiva para a Empresa consulente em razão do fato da superveniente, constituído pela violenta e repentina desvalorização do real frente ao dólar, contrariando toda a tendência normal do mercado naquele então e contrariando também todas as afirmações das mais altas autoridades monetárias e governamentais do país, não se vislumbrando outra alternativa que não a revisão do ajuste.

No caso do contrato entre as partes, a inesperada desvalorização cambial ocasionou excessivo prejuízo à Empresa e extrema vantagem para o Banco, porque, se considerada apenas a operação ajustada em 08/08/2008, com vencimento em 07/10/2008, com dólar fixado para 06/10/2008, com paridade futura de R$ 1,6700, que sofreu uma valorização para R$ 2,1769, acarretou para a Empresa uma prestação no valor de R$ 506.900,00 a favor do Banco, enquanto para este, em contrapartida, a prestação a favor da Empresa alcançaria no máximo o valor de R$ 100.000,00, com extinção das seis operações posteriores, por força das já referidas cláusulas nºs. 8 e 10, abusivas e exorbitantes, incluídas unilateralmente no contrato, que agravam sobremaneira o risco já excessivamente elevado pela inesperada e repentina desvalorização do real.

Assim, a inesperada desvalorização do real, que já se constitui em si em fato extraordinário e imprevisível que leva a revisão do contrato, ainda é agravada pelas cláusulas abusivas unilateralmente incluídas pelo Banco no ajuste.

2.6.2.1 – A Configuração dos Requisitos para a Revisão dos Ajustes

No caso em análise estão presentes os requisitos para o reconhecimento da onerosidade excessiva que autoriza a revisão do contrato.

Com efeito, como já demonstrado na exposição precedente, a revisão é possível mesmo em se tratando de contrato aleatório. É que a desvalorização do real como fato superveniente, extraordinário e imprevisível não está coberta pelo risco contido na álea contratual.

Por outro lado, trata-se de contrato de execução diferida no tempo, nos termos previstos no art. 478 do Código Civil,[61] pois o valor da obrigação será determinado e prestado no futuro. Para ficar apenas na nota de negociação que fez exsurgir o litígio entre as partes, é de observar-se que ela foi emitida em 08/08/2008, quando a cotação do dólar era de R$ 1,61360, com data de vencimento em 07/10/2008, com fixação da data de aferição da cotação do dólar para o dia anterior, 06/10/2008, quanto o dólar atingiu R$ 2,17690.[62]

A desvalorização cambial, por outro lado, já desde longa data tem sido caracterizada pela doutrina como fato superveniente, extraordinário e imprevisível que possibilita a revisão contratual, especialmente como na hipótese em análise em que havia uma tendência no mercado, desde longa data, de desvalorização do dólar frente ao real.[63]

Sobre a desvalorização do real como fato imprevisível acentua Ruy Rosado AGUIAR JÚNIOR que

“... a desvalorização da moeda é um fato provável num regime de desvalorização da moeda, mas poderá haver imprevisibilidade do seu grau, a ser determinado pela própria evolução do processo de desvalorização. Se uma situação de inflação contínua, mas controlada em certo nível, um dado futuro se acrescentar ao processo, este poderá determinar substancial modificação, gerando situação imprevisível. Se o homem de diligência normal não tiver condições de pensar o fato e seus elementos essenciais (a inflação e o grau da inflação; a crise política e a sua duração; a crise política e seus efeitos sobre o contrato, etc.) o fato é imprevisível.”[64]

Assim, no contexto em que se celebrou o ajuste e posteriormente por ocasião da execução, não há dúvida de que a violenta e repentina desvalorização do real frente ao dólar caracteriza-se como fato superveniente, extraordinário e imprevisível que implica revisão do contrato entre as partes por onerosidade excessiva, nos precisos termos dos arts. 317 e 478, ambos do Código Civil.[65]

Ademais, decorre do próprio contexto, que referida desvalorização brutal e repentina não decorre de qualquer fato que possa ser imputável à Empresa ora consulente. Pelo contrário, se alguma conduta inadequada pode ser imputada a alguma das partes pela referida desvalorização do real frente ao dólar é ao Citibank, como um dos protagonistas do mercado financeiro nacional e mundial, que contribuiu para o contexto da crise financeira mundial, como antes se fez referência.

A onerosidade excessiva para a empresa é patente, bastando que se analise a operação já antes aludida em que a prestação devida pela empresa ascendeu ao extraordinário valor de R$ 506.900,00 a favor do Banco, enquanto que, se a situação fosse ao contrário, em contrapartida, o Banco apenas teria de pagar para a Empresa a prestação no valor máximo de R$ 100.000,00 com extinção automática das demais operações. O equilíbrio contratual está efetivamente rompido em prejuízo da Empresa, ficando violados os princípios do equilíbrio material das prestações, da igualdade das partes e da justiça do contrato.

A circunstância fática referida demonstra e evidencia a exagerada e injustificável vantagem para o Banco decorrente do desequilíbrio contratual que se instalou, nos termos previstos no art. 478 do Código Civil, em razão da desproporcionalidade das prestações que cabem a cada uma das partes.

Matematicamente, e considerada apenas uma das tantas operações, a exagerada e injustificada vantagem do Banco é patente: se a Empresa tiver que pagar, o valor é de R$ 506.900,00, e se o Banco tivesse que pagar, a sua prestação estaria limitada a apenas R$ 100.000,00, com extinção automática das outras seis operações. O contexto demonstra que a prestação devida pela empresa é cinco vezes maior do que a prestação que seria devida pelo Banco.

A onerosidade excessiva para a Empresa decorrente do fato superveniente, extraordinário e imprevisível é ainda agravada, como já se acentuou, por força das já referidas cláusulas nºs. 8 e 10, abusivas e exorbitantes, incluídas unilateralmente pelo Banco no contrato de adesão, que agravam sobremaneira a prestação já excessivamente elevada pelo só fato da inesperada e repentina desvalorização do real frente ao dólar.

Por todo o exposto, a revisão do ajuste pelo douto juízo a que está submetido o processo é impositiva (CCB, art. 317).

2.7 – A Solução do Caso é a Resolução do Contrato

A solução adequada ao caso é a resolução dos ajustes, pois, em razão da natureza do fato superveniente e dos termos abusivos e exorbitantes do contrato, a preservação do vínculo é impraticável.

Assim, dada a natureza da desvalorização repentina e violenta e a incerteza daí decorrente no contexto da crise mundial, não há como estabelecer bases reais para manutenção do equilíbrio material do contrato.

Além disso, como preceitua o art. 479 do Código Civil, o princípio da preservação dos contratos somente é possível quando a parte demandada oferece-se à modificação eqüitativa das condições contratuais.

Ora, o Banco, a partir do fato superveniente, extraordinário e imprevisível, jamais se dispôs, nem mesmo nas ocasiões em que se manifestou no processo, a restabelecer o equilíbrio material e equitativo do contrato, não restando outra alternativa que não a resolução.

Por fim, a extinção das obrigações nada mais seria do que a concretização do princípio da isonomia em decorrência da cláusula abusiva e exorbitante que prevê essa possibilidade apenas a favor do Banco.

Assim, a resolução do contrato é a única alternativa possível.

2.8 – Conclusões

Em razão do exposto pode-se concluir que:

1. Os princípios constitucionais da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da justiça social, dos valores sociais do trabalho, da livre iniciativa, da função social da propriedade, combinados com o mandamento constitucional de um sistema financeiro estruturado para promover o desenvolvimento equilibrado do País e servir aos interesses da coletividade, aliados aos direitos fundamentais, apontam no sentido de que a idéia de Direito subjacente na Constituição Federal é uma idéia democrática, capitalista, mas também socializante, que se traduz na concretização do bem comum, da justiça social e no equilíbrio e na justiça dos contratos em geral.

2. Tanto o Código Civil como os contratos em geral devem ser interpretados à luz dos direitos fundamentais, dos princípios constitucionais e dos demais princípios gerais de direito.

3. O Código Civil, a par dessa exigência de interpretação, assemelhando-se ao Código de Defesa do Consumidor, incorporou cláusulas gerais e conceitos indeterminados, que devem ser densificados de acordo com os princípios e valores constitucionais e com os princípios gerais de direito, devendo os contratos ser visualizados sob as perspectivas da isonomia das partes, da eqüidade, da boa-fé, do equilíbrio material das prestações e da justiça contratual.

4. O contrato celebrado entre as partes foi estipulado mediante cláusulas gerais e previa a emissão de notas de negociação para cada operação subseqüente dele decorrente.

5. Embora o contrato preveja que haverá gravação das tratativas entre as partes, o Banco até o momento não apresentou no processo judicial a comprovação dessas gravações. Elas demonstrariam que não havia tratativas entre as partes, mas apenas comunicação telefônica sobre as operações com posterior remessa da nota de negociação para assinatura.

6. Somente após dez meses de operações realizadas entre as partes, quando o Banco tomou conhecimento da crise mundial e dos seus efeitos, por informações privilegiadas de sua matriz nos Estados Unidos, e elevou o valor das operações entre as partes, é que passou a inserir unilateralmente as cláusulas 8 e 9, abusivas e exorbitantes, nas notas de negociação, limitando ao máximo a responsabilidade do Banco, com extinção automática apenas a favor deste das operações subseqüentes, e deixando ilimitada a responsabilidade da Empresa.

7. O contexto contratual demonstra a assimetria de informações detidas pelos contratantes e a gritante diferença de capacidade entre o Banco e a Empresa, restando patenteada a inferioridade da Empresa em relação ao Banco.

8. A inegável e notória concentração do sistema financeiro nacional, agravada pelas grandes fusões de instituições, induz um oligopólio cartelizado em que não há um efetivo mercado em condições de concorrência e existe um déficit de fiscalização das fusões por falta de estrutura do sistema fiscalizador.

9. Esse contexto reforça a abissal diferença de capacidade técnica, econômica e financeira entre a Empresa e o Banco. A Empresa é fabricante e exportadora de calçados e não tem conhecimento especializado do mercado financeiro. O Banco atua no mercado financeiro, sobre o qual tem conhecimento especializado e amplo domínio técnico, jurídico e empresarial, não só no Brasil, mas também no exterior. Assim, não há igualdade das partes no momento da contratação.

10. A contratação de swap pela Empresa, assim como todas as empresas exportadoras em geral, era uma questão de necessidade e sobrevivência para manter-se no mercado em igualdade de condições com as demais empresas, sendo que a prática da contratação de swap era estimulada pelo Banco Central e pelo mercado.

11. O contrato celebrado entre as partes, que se constitui em cláusulas gerais, e as notas de negociação dele decorrentes, são pactos de adesão redigidos prévia e unilateralmente pelo Banco, com cláusulas uniformes e abstratas, sem prévia negociação entre as partes, segundo modelo institucionalizado, aprovado pelo Banco Central. Eventuais tratativas, não só as relativas a cada nota de negociação, mas também os contatos prévios à assinatura das cláusulas gerais, não desfiguram o contrato como sendo de adesão, assim como também não descaracteriza essa natureza do pacto, a iniciativa da proposta, se do Banco ou da Empresa.

12. As cláusulas nºs. 8 e 10 das notas de negociação são abusivas porque violam a isonomia entre as partes, o equilíbrio material das prestações e a justiça contratual, ao limitar a responsabilidade do Banco e deixar ilimitada a responsabilidade da Empresa, acarretando exagerada e injustificada vantagem para o Banco, fato que se revela até pela maneira e forma como são redigidas ditas cláusulas. Além disso, ditas cláusulas prevêem a extinção das obrigações apenas para o Banco, não prevendo o mesmo tratamento em relação à Empresa. Esse contexto revela a má-fé do Banco ao estipular as cláusulas contratuais.

13. O contrato celebrado entre as partes é do tipo aleatório. Entretanto, mesmo se tratando de contrato aleatório, o pacto sujeita-se à revisão por onerosidade excessiva, pois o fato superveniente, extraordinário e imprevisível da desvalorização do real frente ao dólar, não está coberto pelo risco da álea contratual, o que é agravado pelas cláusulas abusivas e exorbitantes que limitam e extinguem a responsabilidade do Banco e não limitam a responsabilidade da Empresa.

14. Havia uma ambiência de confiança e uma tendência de desvalorização do dólar frente ao real, com as mais altas autoridades monetárias e governamentais afirmando que não haveria qualquer desvalorização do real, tudo aliado ao estímulo que o próprio Banco Central fomentava no sentido de que as empresas pactuassem operações de swap.

15. Em tal contexto fica evidente que a desvalorização violenta, abrupta e repentina do real em relação ao dólar é um fato superveniente, extraordinário e imprevisível que causou onerosidade excessiva à Empresa, agravada pela abusividade das cláusulas 8 e 9 das notas de negociação, violando os princípios da boa-fé, da isonomia entre as partes do equilíbrio material das prestações e da justiça contratual.

16. No caso examinado estão presentes os requisitos legais previstos nos arts. 317 e 478, ambos do Código Civil, que autorizam a revisão dos contratos. Os ajustes aleatórios estão sujeitos à onerosidade e à revisão, quando se cuidam de contratos de execução diferida no tempo, e a desvalorização cambial, desde muito tempo, é considerada pela doutrina como fato extraordinário e imprevisível que possibilita a revisão. Além disso, o fato da desvalorização do real não pode ser imputado à Empresa, embora talvez pudesse sê-lo ao Banco como um dos agentes do mercado e participante da situação que levou à eclosão da crise. Por fim, a onerosidade excessiva está patenteada pela violenta, repentina e inesperada desvalorização do real que acarretou vantagem exagerada e injustificada para o Banco, tudo agravado pelas cláusulas abusivas que limitam e extinguem a responsabilidade do Banco, sem idêntico tratamento para a Empresa.

17. O princípio da preservação dos contratos não pode ser aplicado ao caso, em razão da natureza do fato superveniente, extraordinário e imprevisível e do fato de que o Banco jamais ofereceu a modificação equitativa do contrato, sendo a resolução decorrência da aplicação do princípio da isonomia, diante da cláusula que prevê a extinção das obrigações apenas para o Banco.

2.9 – Respostas aos Quesitos da Consulente

1. A espécie se enquadra como de contrato de adesão?

Sim. Trata-se de contrato de adesão, com cláusulas uniformes e abstratas, redigidas previamente e de forma unilateral pelo Banco, segundo modelo institucionalizado, aprovado pelo Banco Central, não havendo negociação entre as partes em relação às cláusulas e condições.

2. As cláusulas ‘8’ e ‘10.3’ da Nota de f. 25/26 fraudam os princípios da comutatividade e da isonomia, ensejando a intervenção judicial para restabelecer o equilíbrio contratual?

Sim. As cláusulas 8 e 10 das notas de negociação são abusivas e exorbitantes, pois limitam a responsabilidade do Banco, com extinção das obrigações apenas a favor deste, e deixam ilimitada a responsabilidade da Empresa, violando a isonomia entre as partes, a boa-fé, o equilíbrio material das prestações e a justiça contratual, gerando vantagem exagerada e injustificada para o Banco e por isso ensejando a intervenção judicial para resolver o contrato aplicando à Empresa o mesmo tratamento que o contrato prevê para o Banco.

3. A alta do Dólar Norte-americano ocorrida a partir de setembro de 2008 se constitui em fato extraordinário e imprevisível autorizador da revisão/rescisão do contrato, quer pela alteração da base do negócio, quer por ter tornado excessivamente onerosa a prestação da autora?

Sim. A abrupta, repentina e violenta elevação do dólar frente ao real, contrariando a tendência do mercado e as afirmações das mais altas autoridades monetárias e governamentais do País, constitui-se em fato superveniente, extraordinário e imprevisível que autoriza a revisão contratual.

4. Para além da disciplina dos contratos aleatórios, a espécie contém cláusulas ilegais que sujeitam uma das partes ao poder da outra, sendo, por isso, revisável?

Sim. Mesmo nos contratos aleatórios, como aponta a melhor, mais moderna e mais avançada doutrina, existe a possibilidade de revisão ajustes por onerosidade excessiva decorrente de fato que não está coberto pelo risco contratual, o que se soma às cláusulas abusivas e exorbitantes que sujeitam umas das partes ao poder da outra ao limitar a responsabilidade do Banco e não limiar a responsabilidade da Empresa. Assim, a resolução do ajuste é impositiva.

5. Outros esclarecimentos considerados oportunos.

Os demais esclarecimentos pertinentes constam do texto do presente Parecer.

É nosso parecer.

Porto Alegre, 21 de abril de 2010.

Adão Sergio do Nascimento Cassiano,

Advogado – OAB/RS 74.022.

[1] GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 200, esclarece o sentido da redação constitucional nos seguintes termos: “No que tange ao primeiro dos princípios que ora temos sob consideração, cumpre prontamente verificarmos como e em que termos se dá a sua enunciação no texto. E isso porque, ao que tudo indica, as leituras que têm sido feitas do inciso IV do art. 1º são desenvolvidas como se possível destacarmos de um lado ‘os valores sociais do trabalho’, de outro a ‘livre iniciativa’, simplesmente. Não é isso, no entanto, o que exprime o preceito. Este em verdade enuncia, como fundamentos da República Federativa do Brasil, o valor social do trabalho e o valor social da livre iniciativa.” (Os destaques entre aspas simples e em itálico são do original). [2] Exemplificativamente, a Constituição exige expressamente a igualdade, entre outras, em disposições como as seguintes: art. 3º, IV, art. 5º, caput, art. 7º, XXXIV, art. 39, X, art. 37, XII, art. 37, XXI, art. 151, I, art. 206, I, art. 226, § 5º, art. 227, IV, art. 14, caput, art. 194, par. único, II, etc. A Constituição determina a redução das desigualdades em dispositivos como os arts. 3º, III, 170, VII, 43, 165, § 7º, etc. Determina desigualação ou tratamento desigual em dispositivos como os arts. 5º, XLVIII, 7º, XX, 14, § 3º, VI, 73, § 1º, 89, VII, 101, 103-B, 42, X, 40, III, ‘a’ e ‘b’, 201, § 7º, II, 7º, XXXIII, 227, § 3º, I, 145, § 1º, 179, 176, VI, 185, par. Único, 201, § 13, etc. A Constituição ainda proíbe expressamente certas desigualações ou discriminações, como nos arts. 150, II, 152, 151, I, 3º, IV, 5º, XLI, 7º, XXX, 7º, XXXI, 7º, XXXII, 12, § 2º, 37, X, 227, caput, etc. E, por fim, a Constituição em outras inúmeras disposições determina que a lei ora faça distinções e ora faça igualações, como ocorre, entre outros, nos seguintes dispositivos: art. 21, XIX, art. 37, VIII, art. 37, § 8º, II, art. 146-A. [3] HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Trad. de Luís Afonso Heck, da 20ª edição alemã. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998, pp. 25/26. [4] GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, pp. 168 e segs. [5] VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Reforma Constitucional, Cláusulas Pétreas, Especialmente a dos Direitos Fundamentais, e a Reforma Tributária. In: BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio (Org.). Estudos em Homenagem a Geraldo Ataliba - Direito Administrativo e Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 165. [6] GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, pp. 168/170. [7] VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Reforma Constitucional, Cláusulas Pétreas, Especialmente a dos Direitos Fundamentais, e a Reforma Tributária. In: BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio (Org.). Estudos em Homenagem a Geraldo Ataliba - Direito Administrativo e Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1997, pp. 165/166, assim se expressa sobre essa temática, verbis: “Num caso e noutro – movimento revolucionário ou convocação –, um idéia de direito está subjacente, ou uma idéia de direito liberal, por exemplo, ou uma idéia de direito socialista. Evidentemente que, se uma sociedade faz opção pelo socialismo, e esta é a idéia subjacente ao movimento revolucionário ou à convocação, elaborada a constituição em tais termos, ninguém poderá com base nos seus títulos de propriedade, opor à nova constituição a alegação de direito adquirido. Todavia, se a idéia de direito que fez eclodir o movimento revolucionário, ou que resultou na convocação, é uma idéia democrática-liberal, ela, a constituição, produto do poder constituinte que veio no bojo desse movimento ou dessa convocação, está limitada por essa idéia. É dizer, exemplificando: se uma constituição que vem no bojo de um movimento liberal, que proclama o liberalismo político, impõe a um grupo de indivíduos o confisco, a disposição constitucional que o institui é ilegítima. É claro que essas questões, que são de teoria geral da constituição, sem nenhum embasamento de direito positivo, somente serão bem compreendidas num Estado cujo povo, cujos líderes e cujos juízes têm consciência do que seja uma constituição. Se isto não ocorre, vira adágio o que não passa de slogan, o de que ‘não há direito adquirido contra a constituição’.” (Os destaques em itálico e entre aspas simples são do original). [8] ALEXY, Robert. La Institucionalización de la Justicia. Trad. de José Antonio Seoane, Eduardo Roberto Sodero y Pablo Rodríguez. Granada: Editorial Comares, 2005, pp. 37/45. [9] ALEXY, Robert. La Institucionalización de la Justicia. Trad. de José Antonio Seoane, Eduardo Roberto Sodero y Pablo Rodríguez. Granada: Editorial Comares, 2005, pp. 43/44, assim trata do tema: “Las pretensiones de corrección no existen, en modo alguno, sólo en el derecho. También son formuladas en relación con juicios morales de valor y de obligación, y su forma más general está vinculada con el acto de habla de aserción. Las posturas morales que no formulen dicha pretensión son, como ha mostrado Günther Patzig, «manifestaciones de una reacción emocional». (…) Los juicios morales de valor y obligación son «verdaderas aserciones», y sólo son aserciones aquellos actos de habla con los que se formula una pretensión de verdad o corrección. La renuncia a la pretensión de corrección cambiaría esencialmente nuestro lenguaje y, con ello, nuestra autocomprensión y nuestra vida: en vez de juicios y aserciones sólo habría sentimientos y opiniones, las fundamentaciones se transformarían en persuasiones, y el lugar de la corrección y la verdad lo ocuparían manipulaciones eficaces y convicciones arraigadas. Todo sería subjetivo, nada objetivo.” [10] ALEXY, Robert. La Institucionalización de la Justicia. Trad. de José Antonio Seoane, Eduardo Roberto Sodero y Pablo Rodríguez. Granada: Editorial Comares, 2005, p. 37. [11] ALEXY, Robert. La Institucionalización de la Justicia. Trad. de José Antonio Seoane, Eduardo Roberto Sodero y Pablo Rodríguez. Granada: Editorial Comares, 2005, p. 38. [12] GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 70. (O destaque em negrito e sublinhado foi acrescentado). [13] CORDEIRO, Eros Belin de Moura. Da Revisão dos Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 226 com propriedade sublinha: “Instrumentos que possibilitem efetivar-se socialmente as normas constitucionais: esse é, em suma, o grande desafio do constitucionalismo brasileiro e é nesse universo que se insere a problemática da revisão dos contratos como instrumento de concretização dos princípios constitucionais.” [14] NAVARRO COLEHO, Sacha Calmon. Teoria Geral do Tributo e da Exoneração Tributária. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1982, pp. 52/53, manifesta-se nesse sentido nos seguintes termos: “Não menos importantes que as definições legais são os princípios que na maioria das vezes, não possuem o status de lei mas são aplicados pelos intérpretes e julgadores com intensidade, fazendo parte do direito enquanto fenômeno regular da vida em sociedade. É verdade que um princípio pode estar enunciado no vernáculo dos digestos mas isso não é absolutamente necessário. No Direito brasileiro, v. gr., está previsto o princípio de que o juiz deve aplicar a lei levando em conta os fins sociais a que se destina. Nesse caso, o princípio está legalmente incorporado ao Direito posto. É o caso ainda do chamado princípio da legalidade pelo qual ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa a não ser em virtude de lei. Sem embargo, outros princípios existem e são aplicáveis sem que estejam formalmente previstos. Nem por isso 'estarão fora' do ordenamento jurídico. Vejamos alguns expressos ou implícitos: o que não permite o exercício abusivo do direito; o que nega proteção judicial a quem alega em juízo a própria torpeza; o que proscreve a interpretação analógica das leis fiscais e penais; o que em matéria de menores ordena consultar o interesse dos mesmos; o que estabelece a presunção de legitimidade dos atos da administração; o que em tema de serviço público dispõe que se deve atender em primeiro lugar a sua continuidade; o que afirma que o contrato faz lei entre as partes mas não prevalece ante as leis do Estado; o que propõe não dever a responsabilidade ser presumida por isso que deve ser expressa na lei; o que manda o juiz declarar a inconstitucionalidade de uma lei quando isto seja inevitável; o que em matéria cambial reconhece no endosso a função de assegurar celeridade aos negócios; o que veda decretar a nulidade pela própria nulidade (nenhuma nulidade sem prejuízo); o que em tema de Direito marítimo dispõe que se deve favorecer tudo o que permita ao navio continuar navegando; o que em caso de dúvida manda que se decida em favor do réu (in dubio pro reo); o que em matéria juslaboral prescreve que a interpretação do contrato de trabalho deve ser feita de modo a favorecer a estabilidade e continuidade do vínculo e não a sua dissolução, além de muitíssimos outros.” (Os destaques em itálico e entre aspas simples são do original). [15] CORDEIRO, Eros Belin de Moura. Da Revisão dos Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 232, acentua que “Desse modo os princípios constitucionais servem de base para interpretação das cláusulas gerais constantes na codificação. Com isso, os dispositivos analisados deverão ser lidos em conjunto com as cláusulas gerais da função social do contrato (artigo 421), da boa-fé (artigo 422) e, inclusive, do enriquecimento sem causa (artigo 884), pois permitem a concretização dos princípios da solidariedade e do equilíbrio contratual. Redimensiona-se, assim, o papel desempenhado pela revisão contratual por dois caminhos (que não se excluem, ao contrário, complementam-se entre si): a consolidação da revisão como instrumento de efetivação direta dos princípios constitucionais, redesenhando o contrato à luz da tábua axiológica constitucional, e a viabilização da revisão por intermédio da hermenêutica construtiva de dispositivos codificados que possibilitem a preservação do contrato, aplicando indiretamente a principiologia constitucional.” [16] CUNHA, Wladimir Alcibíades Marinho Falcão. Revisão Judicial dos Contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002. São Paulo: Método, 2007, p. 64 assim se pronuncia sobre o tema: “Em primeiro lugar, tal ocorre porque há, hodiernamente, justamente um compromisso de interpretação das normas de direito civil a partir da ‘tábua de valores constitucionais’, de modo que o Código Civil de 2002, assim como também o CDC, serve-se da Constituição Federal como fonte de legitimação de suas normas. Por outro lado, porque, conforme já informava Clóvis do Couto e Silva e como já se disse, a técnica regulamentar do código contemporâneo e bem outra, mais ampla do que a dos códigos tradicionais, agora arrimada em cláusulas gerais e conceitos indeterminados, à semelhança do próprio Código de Defesa do Consumidor. E por último, em relação especificamente ao campo do direito contratual, porque o Código Civil de 2002 (Lei 10.406/20020 também passa a incorporar caráter cogente, tal qual o CDC, e diversamente do Código Civil de 1916, de modo que, em ambas essas normas, a intervenção estatal passa a se dar efetivamente no conteúdo material dos contratos, e não apenas em relação aos seus aspectos formais, passando o contrato a ser visto como elemento essencialmente conectado com a justiça, a eqüidade e o equilíbrio. Em outras palavras, o Código Civil de 2002 começa a funcionar como uma norma, própria do Estado Social e própria de uma nova concepção social do contrato, que retrata e incorpora a política intervencionista estatal conteudística, a exemplo do que ocorre com o CDC.” [17] WELTON, Nelly Maria Potter. Revisão e Resolução dos Contratos no Código Civil Conforme Perspectiva Civil-Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 53. [18] CUNHA, Wladimir Alcibíades Marinho Falcão. Revisão Judicial dos Contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002. São Paulo: Método, 2007, pp. 97/98, assim se pronuncia sobre esse ponto: “Na concepção clássica do contrato, a idéia de justiça estaria ligada à qualidade da declaração da vontade, se isenta de vícios ou não. (...) Entretanto, com a nova concepção social do contrato, passou-se a entender que a justiça contratual estaria ligada não a esse parâmetro, mas sim à presença ou não de desequilíbrios nas prestações contratuais cabíveis a um e a outro contratante. O parâmetro de justiça contratual, assim, deslocou-se da análise da produção da declaração da vontade para o que a declaração da vontade efetivamente produziu. Passa-se a verificar se as prestações de um e de outro contratante estão ou não equilibradas. Ora, tal transmutação configura a instalação de um novo princípio social, o princípio da equivalência material das prestações contratuais, o qual, além da verificação da justiça e do equilíbrio contratual, traz ainda, em seu bojo, atenção e preocupação essencial com o contratante vulnerável, isto é, com o contratante de posição econômica mais fraca.” [19] Apud WELTON, Nelly Maria Potter. Revisão e Resolução dos Contratos no Código Civil Conforme Perspectiva Civil-Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 165. [20] O contrato está nas fls. 18/24, 212/219 e 500/506 dos autos, conforme cópia do processo que foi alcançada ao signatário pela Consulente. [21] Conforme fl. 243 dos autos, segundo a cópia do processo fornecida. [22] As notas de negociação encontram-se nas fls. 236/311 dos autos, conforme a cópia fornecida pela Consulente ao signatário. [23] As referidas cláusulas das notas de negociação estão assim redigidas: “8. VALOR MÁXIMO DE LIQUIDAÇÃO POSITIVA PARA O CLIENTE: R$ 100.000,00” “10. CONDIÇÕES DE LIQUIDAÇÃO: As partes concordam que apesar do registro em separado conforme disposto na cláusula 4 acima, as OPERAÇÕES em conjunto representam uma estrutura de objetivo econômico-financeiro único, sendo que tal estrutura permanecerá vigente até a última Data de Vencimento prevista na Tabela Anexa I ou até que o CLIENTE receba em decorrência das liquidações e ajustes financeiro favoráveis ao CLIENTE o montante agregado máximo correspondente ao VALOR MÁXIMO DE LIQUIDAÇÃO POSITIVA PARA O CLIENTE indicado na cláusula 8, apurado de forma cumulativa em todas as Datas de Vencimento. (...) 10.3. No momento em que o VALOR MÁXIMO DE LIQUIDAÇÃO POSITIVA PARA O CLIENTE for atingido, as partes concordam que as OPERAÇÕES subseqüentes, com Datas de Liquidação em aberto, serão automaticamente extintas, sendo que o CLIENTE, desde já autoriza o CITIBANK a tomar todas as medidas necessárias junto à CETIP para o cancelamento ou reversão do registro das mesmas em seus sistemas, dentre outras medidas que sejam necessárias. 10.4. No caso de ajustes desfavoráveis ao cliente, ou seja, que gerem débitos ao cliente, o CLIENTE desde já concorda que os mesmos não estão sujeitos às limitações ora previstas, sendo os mesmos devidos pelo CLIENTE ao CITIBANK, nos termos da cláusula 9 acima.” [24] O item 2.1 da Cláusula II das condições gerais estipula claramente que tratativas e entendimentos entre as partes seriam gravados em fita magnética. [25] A cópia do processo fornecida ao signatário pela Consulente alcançou até a fl. 509 dos autos, com a petição e documentos do Banco, datada de 15 de maio de 2009. [26] As cópias das notas de negociação estão em fls. 25/27, 236/238, 243, 247, 252, 256, 260, 262, 264, 269, 273, 277, 281, 285, 289/291296/298, 303/305 e 309/311, dos autos do processo nº 583.00.2010.105673-3, em trâmite na 16ª Vara Cível da Comarca de São Paulo. [27] A notícia, veiculada em 22/01/2008, disponível no site http://rizzolot.wordpress.com/2008/01/22/citibank-anuncia-rombo-recorde-de-us-18-bi-no-quarto-trimestre/. Acesso em 08/04/2010, assim trata do tema: “O Citibank, o maior banco dos EUA em ativos, anunciou um prejuízo de US$ 9,8 bilhões no último trimestre de 2007 – o maior da história – e confirmou um rombo de US$ 18 bilhões em perdas no ‘subprime”, isto é, na especulação hipotecária, e mais US$ 4,2 bilhões com empréstimos bichados. O novo presidente do Citi, Vikram Pandit, convocado às pressas em novembro passado, anunciou, ainda, mais 4 mil demissões, além das 17 mil já comunicadas no meio do ano, e um corte de 41% nos dividendos. As ações despencaram e as bolsas no mundo inteiro vêm acompanhando a derrubada. E eis que o colapso da pirâmide com papéis podres de hipotecas arrasta de roldão o segundo banco da família Rockefeller – o outro é o Chase, agora fundido com o JP Morgan -, por décadas, o símbolo da arrogância imperial e da intromissão na economia alheia. (...) O rombo do quarto trimestre é recorde, mas não é o único. No terceiro trimestre de 2007, os resultados já haviam sido tão ruins que o então presidente, Charles Prince, no cargo desde 2003, caiu. O banco teve de admitir no dia 5 de novembro um rombo de US$ 11 bilhões nesse período. Mas em julho, quando já fazia mais de um ano desde que a bolha especulativa começara a estourar, Prince ainda asseverava que o Citi continuava “dançando o boom das aquisições”. Antes de ir ao chão, ainda filosofou sobre “significativa volatilidade de mercado” e “ruptura das relações históricas de preço”. RUPTURA. A “ruptura das relações históricas de preço” era uma cínica referência ao fato de que os títulos-frankstein montados pelas operações de “engenharia especulativa”, para bancar empréstimos alavancados e a pirâmide das hipotecas, então tidos como “AAA”, do dia para a noite eram descobertos como “junk”, lixo. Por precaução, o Citi anunciou a demissão de Prince num domingo, antes que as bolsas abrissem. Agora em janeiro, a agência “Standard & Poor’s”, buscando se desvincular da fraude na determinação dos títulos subprime, rebaixou o Citi para “AA-” e apontou como “negativa” a tendência para o banco. Afinal, não eram a S&P, a Moodys e outras espeluncas que asseguravam que os títulos “junk” eram de primeiríssima linha? Muito tem sido escrito sobre a concessão de empréstimos sem critérios, a gente que não tinha como pagar. Mas não foram as pessoas que foram enganar os bancos, mas os bancos, as corretoras e todo tipo de espertalhão que montaram operações em larga escala para levar a população a adquirir os títulos bichados, botando sua casa no risco. Um analista comparou os “títulos” suprime a um porquinho pintado de batom, a que foi atribuído valor equivalente a um título do governo dos EUA, AAA.” [28] SOROS, George. Novo Paradigma para os Mercados Financeiros: a crise atual e o que ela significa. Trad. de Lucia Boldrini e Paulo Migliacci. Rio de Janeiro: Agir, 2008, pp. 15/18, revela como essa conduta das instituições financeiras engendrou a crise: “Os artifícios mais populares eram os financiamentos a taxas reajustáveis, tendo como chamariz a cobrança de juros abaixo do mercado nos primeiros dois anos. A idéia era de que, depois de dois anos, quando uma taxa mais alta passasse a ser cobrada, a hipoteca fosse refinanciada, tirando proveito dos preços mais altos e gerando um novo conjunto de comissões para os emprestadores. Os critérios para a concessão de crédito implodiram, e as chamadas hipotecas subprime tornaram-se amplamente para pessoas de histórico duvidoso de crédito (mas muitas delas bastante bem de vida). Os empréstimos do tipo Alt-A (empréstimos falsos), com escassa ou nenhuma documentação, eram prática comum, incluindo, no extremo, os empréstimos ‘Ninja’, a tomadores sem renda, emprego ou bens, freqüentemente com a conivência dos corretores e das financeiras imobiliárias. Os bancos venderam suas hipotecas de mais alto risco reembalando-as em instrumentos de securitização (CDOs, na sigla em inglês). As CDOs canalizavam os pagamentos de milhares de hipotecas para séries de títulos com riscos e rendimentos talhados para o apetite de cada investidor. As tranches no topo da cadeia, que englobavam cerca de 80% dos papéis, tinham preferência no recebimento e podeim ser vendidas com a classificação AAA. As das séries inferiores sofriam as primeiras perdas, porém tinham rendimento mais alto. Na prática, os banqueiros e as agências de classificação de risco subestimaram grosseiramente os riscos inerentes a absurdos como os empréstimos Ninja. (...) Era fácil e rápido criar títulos negociáveis ‘sintéticos’, que imitavam os riscos dos verdadeiros mas não embutiam o custo de compara e agrupar empréstimos reais. Assim, os papéis de risco podiam se multiplicar muito além da oferta no mercado. (...) A onda de securitização não se limitou às hipotecas, alastrando-se para outras modalidades de crédito. De longe, o maior mercado sintético é constituído de CDSs (swaps de crédito inadimplente). Esse obscuro instrumento financeiro sintético foi inventado na Europa no começo da década de 1990. Os primeiros CDSs eram acordos personalizados entre dois bancos. O banco A, vendedor de swap (comprador de proteção), concordava em pagar uma taxa anual por um período determinado ao banco B, comprador de swap (vendedor de proteção), pela garantia de uma carteira específica de empréstimos. O banco B se comprometia a honrar as perdas do banco A com a carteira pelo período de vigência do swap. Antes da invenção dos CDSs, um banco interessado em diversificar sua carteira teria de comprar ou vender partes de empréstimos, o que era complicado, porque dependia da permissão do tomador; a nova modalidade de diversificação, por isso, tornou-se bastante popular.” (Os destaques entre aspas simples e em itálico são do original). (Na p. 16, a nota do editor em rodapé registra: Ninja – No income, Jobs or assets.) [29] Eis a íntegra da notícia, publicada no Jornal o Estado de São Paulo, em 24/11/2008, disponível no site: http://www.estadao.com.br/economia/not_eco282537,0.htm. Acesso em 13/04/2010: “O governo dos Estados Unidos anunciou nesta segunda-feira, 24, um plano de resgate para o Citigroup, o segundo maior banco do país, depois que as ações do grupo despencaram mais de 60% na semana passada. O governo vai comprar US$ 20 bilhões em ações preferenciais do grupo, além de garantir até US$ 306 bilhões de empréstimos e títulos de alto risco da instituição financeira. Os US$ 20 bilhões virão do programa de resgate de US$ 700 bilhões que o Congresso aprovou para ajudar o sistema financeiro. Em outubro, o grupo já havia recebido US$ 25 bilhões do pacote. Com os problemas se espalhando pelos bancos, os governos de todo o mundo têm intensificado seus esforços para conter a pior crise financeira em 80 anos. O anúncio do pacote de resgate aconteceu após o acordo sobre garantias alcançado pelo Citigroup com o Departamento do Tesouro, o Federal Reserve (Fed) e a Corporação Federal de seguros sobre Depósitos (FDIC, agência de garantias de depósitos bancários). Em um comunicado conjunto, as três entidades federais anunciaram que pretendem dar ao ex-número um das finanças "proteção contra eventuais perdas inusitadas sobre um pacote de ativos por cerca de 306 bilhões de dólares em créditos e seguros". "Com estas medidas, o governo americano toma as medidas necessárias para fortalecer o sistema financeiro e proteger os contribuintes e a economia", anunciaram em comunicado. "Continuaremos a usar nossos recursos para preservar a força de nossas instituições bancárias e promover o conserto e a recuperação delas, para conter os ricos.” [30] SOROS, George. Novo Paradigma para os Mercados Financeiros: a crise atual e o que ela significa. Trad. de Lucia Boldrini e Paulo Migliacci. Rio de Janeiro: Agir, 2008, pp. 112/113. [31] Um dos mais sérios e importantes jornalistas especializados em economia e finanças do País, Luis Nassif, em coluna de 16/11/2009, disponível no site http://colunistas.ig.com.br/luisnassif/2009/11/16/como-o-bc-quase-quebrou-o-pais-2/. Acesso em 13/04/2010, assim escreveu sobre a questão: “Desde dezembro de 2007, aqui se alertava para a imprudência de permitir a valorização imprudente do Real; desde meados do primeiro semestre de 2008 alertava-se para a imprudência em dobro do BC estimular operações especulativas com o câmbio. Tratava-se do “swap reverso”, uma operação em que em uma ponta ficava o BC e na outra grandes empresas exportadoras ou financeiras. Cada vez que o real valorizava, essas empresas perdiam dinheiro com exportações. Para compensá-las, o BC instituiu o tal “swap reverso”, um jogo de cartas marcadas que permitia às empresas lucrar no mercado financeiro com a valorização do real – com o BC pagando a conta. Os prejuízos do BC com essa jogatina chegaram a US$ 10 bilhões apenas em 2008. Em junho, alertei aqui que se houvesse qualquer crise que invertesse a mão do câmbio, explodiria uma crise sistêmica no mercado.” [32] Uma das últimas dessas grandes fusões foi do Itaú e do Unibanco, conforme notícia de 03/11/2008, publicada no site http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u463447.shtml. Acesso em 17/04/2010. Antes podem ser citadas a do ABN Amro Real e Santander, conforme notícia publicada em 08/10/2007, disponível no site http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u334789.shtml. Acesso em 17/04/2010. Em passado mais remoto podem ser citadas aquisições feitas somente pelo Itaú que, como visto, recentemente uniu-se ao Unibanco: em 1995, adquiriu o Banco Francês e Brasileiro; em 1997, adquiriu o BANERJ; em adquiriu o BNEGE; e em 2000, adquiriu o BANESTADO, conforme noticiam LIMA, Marcela Pfaender de e DALTO, Edson José. Avaliação de Capital Intelectual em Fusões e Aquisições de Instituições Financeiras. Estudo de Caso do Banco Itaú Holding Financeira S. A. Disponível no site https://www6.univali.br/seer/index.php/ra/article/viewFile/1347/1063. Acesso em 17/04/2010. Por fim, é importante lembrar que está em discussão judicial a questão de saber se atos de concentração de instituições financeiras como fusão, incorporação, transformação e encampação, entre outros, devem passar pelo exame do Banco Central do Brasil e do CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica. No processo judicial, que se encontra atualmente no STJ (REsp 1094218, com julgamento suspenso por pedido de vista, disponível no site http://www.stj.jus.br/webstj/Processo/Justica/detalhe.asp?numreg=200801736771&pv=010000000000&tp=51. Acesso em 17/04/2010), discute-se essa temática no caso da aquisição, pelo Banco Bradesco, do controle acionário do Banco BCN, conforme notícia veiculada no site http://www.conjur.com.br/2007-set-09/fusao_instituicoes_bancarias_submetida_cade. Acesso em 17/04/2010.. [33] CUEVA, Ricardo Villas Bôas, Mestre e Doutor em Direito, respectivamente, pelas Universidades Harvard e de Frankfurt, advogado, Procurador da Fazenda Nacional e ex-Conselheiro do CADE em 2004-2008, em artigo intitulado “Fusão de Itaú e Unibanco: impacto concorrencial”, disponível no site http://www.iiede.org.br/arquivos/fusaounibanco.pdf. Acesso em 17/04/2010, analisando a referida falta de estrutura de fiscalização acentua que: “Ocorre que o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, à míngua de recursos materiais e humanos, bem como de experiência no setor, ainda engatinha no estudo de concentrações no sistema financeiro. Assim, a análise concorrencial da fusão Itaú/Unibanco representará um desafio técnico para o CADE, que, em virtude da magnitude da concentração e da diversidade dos produtos e serviços envolvidos, precisará investigar em profundidade os mercados relevantes, tanto na dimensão geográfica como na dimensão produto, devendo, ainda, examinar com cuidado as barreiras à entrada e as condições de contestabilidade dos mercados, aí incluídas as condições para o ingresso efetivo e tempestivo de novos entrantes. Importante também será estudar com maior precisão a possibilidade de exercício de poder de mercado à vista das peculiaridades brasileiras. Quanto mais precisa a análise concorrencial, maior a probabilidade de aprovação incondicional da fusão. Quanto mais específicos os mercados relevantes, menores serão as concentrações e menor a possibilidade de exercício de poder de mercado. Contudo, a enorme assimetria informacional existente entre a autoridade da concorrência e os agentes econômicos nem sempre permite que a análise concorrencial seja aprofundada sem muitas diligências e, conseqüentemente, delongas por parte da autoridade administrativa. Assim, estimar precisamente o impacto concorrencial da fusão Itaú/Unibanco dependerá da estreita colaboração dos agentes econômicos com a autoridade da concorrência, no sentido de que os primeiros disponibilizem à última, o quanto antes, toda a informação relevante sobre a operação, e de que esta aprofunde seus critérios de análise para o setor financeiro, adaptando-os à realidade brasileira, de modo a que os efeitos da operação, mesmo considerado o caráter prognóstico do estudo, possam ser aferidos com a maior precisão possível, a fim de que se impeça a concretização de eventuais danos à concorrência e aos consumidores.” [34] Conforme notícia, publicada no Jornal o Estado de São Paulo, em 24/11/2008, disponível no site: http://www.estadao.com.br/economia/not_eco282537,0.htm. Acesso em 13/04/2010: “O governo dos Estados Unidos anunciou nesta segunda-feira, 24, um plano de resgate para o Citigroup, o segundo maior banco do país, depois que as ações do grupo despencaram mais de 60% na semana passada.” [35] O jornalista Luis Nassif, em manifestação de 13/11/2009, assim traduziu essa ambiência criada pelo Banco Central, que estimulava os exportadores a realizarem operações de swap: “Toda essa jogatina desenfreada, patrocinada pelo BC, foi relatada aqui no Blog. Primeiro, o banco permitiu a apreciação desmedida do real. Depois, para compensar os grandes exportadores, instituiu o ‘swap reverso’, uma excrescência que permitia aos exportadores ganhos financeiros sempre que o real se apreciava. Ou seja, perdiam no operacional, mas ganhavam no financeiro. Com isso, o BC colocava todas as forças da economia – mercado financeiro e grandes empresas exportadoras, na mesma linha de apreciação da moeda. Quem bancava o ganho financeiro da especulação? O BC, é claro. Ou, melhor, o Tesouro. Ou melhor, todos os contribuintes.” Disponível no site: http://dialogospoliticos.wordpress.com/2009/11/13/page/2/. Acesso em 13/04/2010. [36] OREIRO, José Luís Costa e BASÍLIO, Flávio Augusto Correa. A Crise Financeira Brasileira: Uma análise a partir do conceito de fragilidade financeira à la Minsky. In Dossiê da Crise. Associação Keynesiana Brasileira, novembro de 2008, p. 59/60. Disponível no site http://www.ppge.ufrgs.br/akb/dossie-crise.pdf. Acesso em 12/04/2010, economistas e especialistas na matéria, demonstram que, efetivamente, a contratação de swap, era uma questão de necessidade e sobrevivência das empresas exportadoras, nos seguintes termos: “... como as empresas exportadoras estavam sobrevivendo com forte apreciação cambial ocorrida no período 2005-2007? Elas estavam compensando perdas operacionais com receitas financeiras, sendo favorecidas por um ambiente favorável evidenciado no mercado doméstico, além de contar com sinalizações da equipe econômica do governo de que não haveria uma forte depreciação da moeda. Este argumento pode ser comprovado a partir das previsões de câmbio do BC, das declarações do Ministro da Fazenda e dos discursos calorosos do presidente Lula. Mesmo sabendo da enorme exposição cambial a que estavam sujeitas, as empresas não esperavam, diferentemente de 1999, que a cotação fosse ultrapassar o target (alvo).” (Os destaques em itálico são do original). [37] OREIRO, José Luís Costa e BASÍLIO, Flávio Augusto Correa. A Crise Financeira Brasileira: Uma análise a partir do conceito de fragilidade financeira à la Minsky. In Dossiê da Crise. Associação Keynesiana Brasileira, novembro de 2008, p. 59/60. Disponível no site http://www.ppge.ufrgs.br/akb/dossie-crise.pdf. Acesso em 12/04/2010. (Os destaques em negrito e sublinhados foram acrescentados, e o destaque em itálico é do original). [38] Conforme dados de faturamento fornecidos pela empresa ao signatário deste Parecer. [39] Nesse sentido é o Enunciado nº 171 da III Jornada de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal: “171 – Art. 423: O contrato de adesão, mencionado nos arts. 423 e 424 do novo Código Civil, não se confunde com o contrato de consumo.” Jornada de Direito Civil/Organização Ministro Ruy Rosado de Aguiar Jr. – Brasília: CJF, 2005. Disponível no site: http://daleth.cjf.jus.br/revista/outras_publicacoes/jornada_direito_civil/IIIJornada.pdf. Acesso em 12/04/2010. [40] GOMES, Orlando. Contratos. 26ª ed. Atualiz. de Antonio Junqueira de Azevedo e Francisco Paulo de Crescenzo Marino. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 132, assim doutrina sobre esse relevante tema: “O modo de consentir não é bastante para caracterizar o contrato de adesão. Outras particularidades, tais como a uniformidade e abstratividade das cláusulas pré-constituídas unilateralmente, são indispensáveis à sua configuração. (...) A specie a que se chama contrato de adesão distinguir-se-ia pelos caracteres apontados, correspondendo aos negócios jurídicos difundidos na prática da atividade econômica, que se realizam em condições especiais com o objetivo de uniformização, repetidas nos contratos singulares às cláusulas preestabelecidas por uma das partes.” (Os destaques em itálico são do original). [41] GOMES, Orlando. Contratos. 26ª ed. Atualiz. de Antonio Junqueira de Azevedo e Francisco Paulo de Crescenzo Marino. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 133, assim se manifesta sobre a questão de que pode haver negociações prévias no contrato de adesão: “Aponta-se primeiramente que, nesse contrato, a fase das negociações preliminares não existe. Em princípio, assim sucede. O esquema contratual está pronto, devendo aceitá-lo imediatamente quem se proponha a travar a relação concreta. Contudo, sempre há cláusulas que não podem ser preestabelecidas e, de modo geral, elementos imprevisíveis. De regra, por conseguinte, fica uma faixa, mais larga ou estreita, na qual cabem entendimentos prévios entre os contratantes, se bem que, as mais das vezes, o contrato prévio se destine somente à determinação de dados pessoais, dispensáveis, aliás, em vários contratos de adesão. Admite-se, outrossim, em prática chancelada por legislações, a possibilidade de modificar algumas cláusulas gerais, mediante acordo entre as partes. Quando ocorre, pode-se falar, a bem dizer, em negociações preliminares, dado que se travam entendimentos acerca do conteúdo do contrato a concluir, entendimentos que significam ‘tratativas’.” (O destaque entre aspas simples e em itálico é do original). [42] GOMES, Orlando. Contratos. 26ª ed. Atualiz. de Antonio Junqueira de Azevedo e Francisco Paulo de Crescenzo Marino. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 133, dissertando sobre a irrelevância da iniciativa da proposta, assim se expressa: “Quanto ao mecanismo de formação desse contrato, observado pelo ângulo das regras comuns à categoria geral, a particularidade é simplesmente respeitante à iniciativa da proposta, que tanto pode ser da empresa como do cliente. No primeiro caso, há oferta ao público, considerando-se perfeito e acabado o contrato no momento em que o cliente declara a aceitação, freqüentemente sob a forma de comportamento típico. No segundo caso, convite à oferta; o contrato conclui-se quando a empresa aceita. A rigor, a adesão manifesta-se, no seu significado próprio, na hipótese de oferta ao público, mas a inversão não retira da figura os traços distintivos. Por outras palavras, a figuração não se desconjunta em razão do modo como se arma.” (Os destaques em itálico são do original). [43] CUNHA, Wladimir Alcibíades Marinho Falcão. Revisão Judicial dos Contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002. São Paulo: Método, 2007, pp. 123/125. [44] “Art. 1º Facultar aos bancos múltiplos, aos bancos comerciais, à Caixa Econômica Federal, aos bancos de investimento, às sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários e às sociedades distribuidoras de títulos e valores mobiliários a realização, no mercado de balcão, por conta própria ou de terceiros, de operações de swap, a termo e com opções não padronizadas, referenciadas em ouro, taxas de câmbio, índices de moedas, taxas de juros, mercadorias, índices de preços, índices de taxas de juros, ações de emissão de companhias abertas, índices de ações, debêntures simples ou conversíveis em ações e notas promissórias de emissão de sociedades por ações, destinadas a oferta pública. Parágrafo 1º Para os efeitos desta Resolução: I - são definidas como operações de swap aquelas realizadas para liquidação em data futura que impliquem na troca de resultados financeiros decorrentes da aplicação, sobre valores ativos e passivos, de taxas ou índices utilizados como referenciais; II - considera-se realizada em mercado de balcão a operação cuja contratação não seja efetivada por meio de leilão ou apregoamento Parágrafo 2º Os índices de preços mencionados neste artigo devem ter série regularmente calculada e ser de conhecimento público. Parágrafo 3º Os preços de ações, ouro e de mercadorias devem ser aqueles praticados em ambiente de negociação autorizado pelo Banco Central do Brasil ou pela Comissão de Valores Mobiliários ou apurados como referenciais por meio de metodologia previamente aprovada pelos órgãos reguladores. Parágrafo 4º Os índices de ações devem ser calculados a partir de cotação de ações que atendam ao disposto no parágrafo anterior.” [45] “Art. 3º Aplica-se às entidades referidas no artigo anterior o disposto nos itens I, II e VII da Resolução nº 1.645, de 6 de outubro de 1989.” [46] Comparem-se as redações do dispositivo, antes e depois da alteração, respectivamente: “I - Determinar que, previamente a sua implementação, os modelos de contratos para negociação em bolsas de mercadorias ou de futuros sejam submetidos à aprovação do Banco Central do Brasil ou da Comissão de Valores Mobiliários, essa última na hipótese de estar o objeto respectivo referenciado em qualquer dos valores mobiliários sujeitos ao regime da Lei n. 6.385, de 07.12.76.” “I - Determinar que: a) previamente à sua implementação, os modelos de contratos admitidos à negociação em bolsas de mercadorias e de futuros ou em sistemas de negociação de ativos devem ser submetidos à aprovação do Banco Central do Brasil ou da Comissão de Valores Mobiliários, essa última na hipótese de estar o ativo objeto de negociação referenciado em valor mobiliário sujeito ao regime da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976;” [47] Veja-se o caput do art. 1º da Resolução nº 2.873/2001, a seguir transcrito, e compare-se com o item 1.1 da cláusula I das condições gerais, abaixo transcrito, e veja-se a semelhança (o destaque em negrito e sublinhado foi acrescentado): “Art. 1º Facultar aos bancos múltiplos, aos bancos comerciais, à Caixa Econômica Federal, aos bancos de investimento, às sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários e às sociedades distribuidoras de títulos e valores mobiliários a realização, no mercado de balcão, por conta própria ou de terceiros, de operações de swap, a termo e com opções não padronizadas, referenciadas em ouro, taxas de câmbio, índices de moedas, taxas de juros, mercadorias, índices de preços, índices de taxas de juros, ações de emissão de companhias abertas, índices de ações, debêntures simples ou conversíveis em ações e notas promissórias de emissão de sociedades por ações, destinadas a oferta pública.” “1.1. Constitui objeto do presente contrato a celebração de operações de ‘swap’, com ou sem limitadores de oscilação máxima e mínima, bem assim opções sobre ‘swap’, referenciadas em ouro, taxas de câmbio, taxas de juros e índices de preços e opções não padronizadas, cobertas, referenciadas em debêntures simples ou conversíveis em ações, em notas promissórias e em ações de emissão de sociedade aberta, que serão realizadas de acordo com as normas do Banco Central do Brasil e as disposições contidas no presente contrato e nas respectivas Notas de Negociação.” [48] A notícia, veiculada em 22/01/2008, disponível no site http://rizzolot.wordpress.com/2008/01/22/citibank-anuncia-rombo-recorde-de-us-18-bi-no-quarto-trimestre/. Acesso em 08/04/2010, assim trata do tema: “O Citibank, o maior banco dos EUA em ativos, anunciou um prejuízo de US$ 9,8 bilhões no último trimestre de 2007 – o maior da história – e confirmou um rombo de US$ 18 bilhões em perdas no ‘subprime”, isto é, na especulação hipotecária, e mais US$ 4,2 bilhões com empréstimos bichados. O novo presidente do Citi, Vikram Pandit, convocado às pressas em novembro passado, anunciou, ainda, mais 4 mil demissões, além das 17 mil já comunicadas no meio do ano, e um corte de 41% nos dividendos. As ações despencaram e as bolsas no mundo inteiro vêm acompanhando a derrubada. E eis que o colapso da pirâmide com papéis podres de hipotecas arrasta de roldão o segundo banco da família Rockefeller – o outro é o Chase, agora fundido com o JP Morgan -, por décadas, o símbolo da arrogância imperial e da intromissão na economia alheia. (...)O rombo do quarto trimestre é recorde, mas não é o único. No terceiro trimestre de 2007, os resultados já haviam sido tão ruins que o então presidente, Charles Prince, no cargo desde 2003, caiu. O banco teve de admitir no dia 5 de novembro um rombo de US$ 11 bilhões nesse período. Mas em julho, quando já fazia mais de um ano desde que a bolha especulativa começara a estourar, Prince ainda asseverava que o Citi continuava “dançando o boom das aquisições”. Antes de ir ao chão, ainda filosofou sobre “significativa volatilidade de mercado” e “ruptura das relações históricas de preço”. RUPTURA. A “ruptura das relações históricas de preço” era uma cínica referência ao fato de que os títulos-frankstein montados pelas operações de “engenharia especulativa”, para bancar empréstimos alavancados e a pirâmide das hipotecas, então tidos como “AAA”, do dia para a noite eram descobertos como “junk”, lixo. Por precaução, o Citi anunciou a demissão de Prince num domingo, antes que as bolsas abrissem. Agora em janeiro, a agência “Standard & Poor’s”, buscando se desvincular da fraude na determinação dos títulos subprime, rebaixou o Citi para “AA-” e apontou como “negativa” a tendência para o banco. Afinal, não eram a S&P, a Moodys e outras espeluncas que asseguravam que os títulos “junk” eram de primeiríssima linha? Muito tem sido escrito sobre a concessão de empréstimos sem critérios, a gente que não tinha como pagar. Mas não foram as pessoas que foram enganar os bancos, mas os bancos, as corretoras e todo tipo de espertalhão que montaram operações em larga escala para levar a população a adquirir os títulos bichados, botando sua casa no risco. Um analista comparou os “títulos” suprime a um porquinho pintado de batom, a que foi atribuído valor equivalente a um título do governo dos EUA, AAA.” [49] CORDEIRO, Eros Belin de Moura. Da Revisão dos Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 208. [50] CUNHA, Wladimir Alcibíades Marinho Falcão. Revisão Judicial dos Contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002. São Paulo: Método, 2007, p. 128. [51] KHOURI, Paulo R. Roque A. A Revisão Judicial dos Contratos no Novo Código Civil, Código do Consumidor e Lei nº 8.666/93 – A Onerosidade Excessiva Superveniente. São Paulo: Atlas, 2006, p. 147. [52] CUNHA, Wladimir Alcibíades Marinho Falcão. Revisão Judicial dos Contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002. São Paulo: Método, 2007, p. 127, com acuidade fere essa questão: “Com efeito, estando de posse do poder contratual, as empresas utilizam-se dos contratos de adesão para diminuir seus riscos e aumentar seus lucros, aumentando ainda mais a sua força econômica em comparação com a dos contratantes, o que fazem por meio da mais variada sorte de expedientes, formais e materiais.” [53] CORDEIRO, Eros Belin de Moura. Da Revisão dos Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 213, sobre esse tema registra que “... dentro do jogo de poder na relação contratual, os mais fortes determinam a feição do contrato restando aos mais fracos, ante as necessidades materiais que têm, aceitar tal situação, aderindo aos ditames contratuais que lhe são impostos.” [54] SILVA, Luís Renato Ferreira da. Revisão dos Contratos: do Código Civil ao Código do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 115. [55] KHOURI, Paulo R. Roque A. A Revisão Judicial dos Contratos no Novo Código Civil, Código do Consumidor e Lei nº 8.666/93 – A Onerosidade Excessiva Superveniente. São Paulo: Atlas, 2006, pp. 102/103, magistralmente assim se manifesta sobre esse importante tema: “Do regime geral da onerosidade excessiva superveniente, deduz-se de forma clara que não é risco próprio de nenhuma contratação o agravamento substancial do equilíbrio contratual. Ora, o proponente, ao impor a renúncia a esse regime geral, está tornando próprio um risco relativo à onerosidade excessiva que é impróprio ou extraordinário de qualquer contratação. Daí que o aderente, em princípio, durante a execução das obrigações, não poderia lançar mão desse regime geral mesmo se presentes todos os seus requisitos. Poder-se-ia dizer que não haveria, na pactuação desse tipo de cláusula, (...) limites para os riscos do contratante/aderente. Essa cláusula afronta o princípio da boa-fé, porque revela uma conduta objetivamente desonesta, pois, ao cuidar do interesse de outrem, como praticamente faz no contrato de adesão, o proponente não poderia impor ao aderente aquilo que afasta de si próprio. Nesse sentido a cláusula que agrave os riscos do aderente para além dos riscos legalmente determinados ou próprios da contratação deve ser tida como não escrita ou afastada por implicar grave ofensa ao art. 422 do CCB, ou seja, a boa-fé.” [56] KHOURI, Paulo R. Roque A. A Revisão Judicial dos Contratos no Novo Código Civil, Código do Consumidor e Lei nº 8.666/93 – A Onerosidade Excessiva Superveniente. São Paulo: Atlas, 2006, pp. 117/118. [57] OREIRO, José Luís Costa e BASÍLIO, Flávio Augusto Correa. A Crise Financeira Brasileira: Uma análise a partir do conceito de fragilidade financeira à la Minsky. In Dossiê da Crise. Associação Keynesiana Brasileira, novembro de 2008, p. 59. Disponível no site http://www.ppge.ufrgs.br/akb/dossie-crise.pdf. Acesso em 12/04/2010. (O destaque entre aspas simples é do original). [58] OREIRO, José Luís Costa e BASÍLIO, Flávio Augusto Correa. A Crise Financeira Brasileira: Uma análise a partir do conceito de fragilidade financeira à la Minsky. In Dossiê da Crise. Associação Keynesiana Brasileira, novembro de 2008, p. 59/60. Disponível no site http://www.ppge.ufrgs.br/akb/dossie-crise.pdf. Acesso em 12/04/2010 demonstram claramente esse contexto nos seguintes termos: “... como as empresas exportadoras estavam sobrevivendo com forte apreciação cambial ocorrida no período 2005-2007? Elas estavam compensando perdas operacionais com receitas financeiras, sendo favorecidas por um ambiente favorável evidenciado no mercado doméstico, além de contar com sinalizações da equipe econômica do governo de que não haveria uma forte depreciação da moeda. Este argumento pode ser comprovado a partir das previsões de câmbio do BC, das declarações do Ministro da Fazenda e dos discursos calorosos do presidente Lula. Mesmo sabendo da enorme exposição cambial a que estavam sujeitas, as empresas não esperavam, diferentemente de 1999, que a cotação fosse ultrapassar o target (alvo).” (Os destaques em itálico são do original). [59] KHOURI, Paulo R. Roque A. A Revisão Judicial dos Contratos no Novo Código Civil, Código do Consumidor e Lei nº 8.666/93 – A Onerosidade Excessiva Superveniente. São Paulo: Atlas, 2006, p. 59, ferindo esse tema e expondo o exemplo, assim se manifesta com propriedade: “Conforme anota Oliveira Ascensão, ‘uma alteração anormal das circunstâncias dificilmente poderá estar coberta pelos riscos próprios do contrato’. Em um primeiro momento, só a partir da identificação dos riscos próprios de cada contrato, haverá condições de se verificar a aptidão para a qualificação do fato superveniente como extraordinário e imprevisível. Se o fato superveniente está coberto pelos riscos próprios daquela contratação, por mais inusitado que pareça, não tem a aptidão para ser qualificado como extraordinário. Um fato que é extraordinário para a execução de um contrato de compra e venda a prazo pode não sê-lo para um mesmo contrato de compra a prazo sobre o mesmo objeto. Imagine-se, v. g., que o primeiro contrato de compra e venda é celebrado antes do advento de uma terrível guerra que venha a repercutir fortemente no equilíbrio desse contrato e outro tenha sido celebrado exatamente durante esse (sic) mesma guerra. No último caso, a guerra em si não é um fato que tenha relevância reclamada pelo regime de onerosidade excessiva superveniente, exatamente porque sequer pode ser considerada fato superveniente, de sorte que suas repercussões na execução da obrigação estão cobertas pelo risco próprio daquela contratação. Já no primeiro exemplo, a mesma guerra tem a qualificação de necessária como extraordinária porque se encontra fora do risco coberto pela contratação”. (Os destaques entre aspas simples são do original). [60] KHOURI, Paulo R. Roque A. A Revisão Judicial dos Contratos no Novo Código Civil, Código do Consumidor e Lei nº 8.666/93 – A Onerosidade Excessiva Superveniente. São Paulo: Atlas, 2006, pp. 118/119, com absoluta pertinência, assim descreve o exemplo referido: “Imagine-se, v. g., uma grande empresa sediada no Brasil que faz um plano de saúde para cobrir as despesas com o tratamento de saúde de todos os seus cinco mil funcionários pelo período de cinco anos. Todo mês, a empresa paga o equivalente a R$ 100,00 por funcionário à administradora do plano de saúde. Na época da celebração do contrato, o país não convivia com epidemia de doença alguma. Ocorre que, no segundo ano do contrato, o país passa a enfrentar uma grande epidemia de dengue, cujo tratamento é extremamente oneroso. Dos cinco mil funcionários da empresa, três mil, num único mês, recorrem ao plano para custear o tratamento da dengue. A epidemia, que repercute de forma direta sobre o objeto contratual, pode ser considerada como não coberta pelos riscos próprios do contrato, revelando-se um fato objetivamente extraordinário e imprevisível. A execução do contrato pode ter-se tornado excessivamente onerosa com o surgimento repentino da epidemia, a ponto de num só mês três mil dos cinco mil funcionários recorrerem ao plano de saúde. Não parece que de imediato se possa concluir que o plano de saúde assumiu de forma ilimitada o risco de realizar a sua contraprestação, mesmo ante uma brutal repercussão no equilíbrio contratual. Daí que a parte lesada com essa excessiva onerosidade, decorrente não de qualquer fato, mas de um fato extraordinário, absolutamente fora da esfera de controle das partes, possa pleitear tanto a resolução do contrato com a sua modificação. Imagine-se agora uma excessiva onerosidade que atinge a prestação da empresa que celebrou o contrato com a administradora do plano de saúde. Ela deixa para celebrar o contrato exatamente no momento em que o Brasil enfrenta a grande epidemia de dengue e a maioria dos seus funcionários é atingida pela doença. Por conta de tal fato, a administradora cobra por cada funcionário o valor equivalente a R$ 300,00, ao passo que, tivesse sido o contrato celebrado antes da epidemia, esse valor seria de R$ 100,00. Dois anos depois de celebrado o contrato, descobre-se uma vacina contra a dengue, de sorte que a administradora não terá mais que realizar nenhuma despesa considerável com o tratamento daquela doença. Os funcionários da empresa, então, diminuem sensivelmente a demanda de tratamento de saúde junto à administradora. Aqui, igualmente, pode-se considerar a descoberta da vacina contra a dengue um fato extraordinário, que repercute na prestação devida, tornada, a partir de então, excessivamente onerosa. É certo que a empresa assumiu o risco de realizar a sua prestação sujeitando-se às normais oscilações de seu valor real durante o período contratual. Entretanto, se, v. g., o tratamento com a dengue respondia por 90% das demandas dos funcionários da empresa junto ao plano e hoje essa demanda não existe mais, é evidente que o equilíbrio contratual se rompeu de forma brutal e autoriza, portanto, o recurso ao regime geral da onerosidade excessiva superveniente, a fim de neutralizar os efeitos do brutal desequilíbrio na execução da obrigação contratada.” [61] O dispositivo referido tem a seguinte redação: “Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.” [62] As cotações do dólar em relação ao real estão disponíveis no site http://www4.bcb.gov.br/pec/taxas/port/PtaxRPesq.asp?idpai=TXCOTACAO. Acesso em 31/03/2010. [63] Observe-se a cotação descendente do dólar desde o ano de 2002, ao longo do tempo (Disponível no site http://www4.bcb.gov.br/pec/taxas/port/PtaxRPesq.asp?idpai=TXCOTACAO. Acesso em 31/03/2010): 22/10/2002 R$ 3,95520 31/12/2002 R$ 3,53330 31/12/2003 R$ 2,88920 31/12/2004 R$ 2,65440 30/12/2005 R$ 2,34070 29/12/2006 R$ 2,13800 31/12/2007 R$ 1,77130 30/06/2008 R$ 1,59190 01/08/2008 R$ 1,55930 Até que em 08/10/2008, repentinamente alcançou a significativa e extraordinária cotação de R$ 2,39240. [64] AGUIAR JÚNIOR., Ruy Rosado. Extinção dos Contratos por Incumprimento do Devedor (Resolução). Rio de Janeiro: Aide Ed., 1991, p. 155. [65] Os dispositivos referidos estão assim redigidos: “Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.” “Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.”

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